quinta-feira, outubro 30, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Proponho uma divagação literária à volta desta fotografia. Cada comentário poderá ter duas frases que tentem dar vida à imagem...

... começo eu...


terça-feira, outubro 28, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Acabei de falar para Empada.
Que emoção...
... ouvir uma voz tão familiar como a da Anistalda levou-me de imediato para aquele lugar distante...

Com palavras atrapalhadas lá fui falando do que precisava... informações...
... ela ia-me interrompendo, para saber novidades do concurso... se os alunos estavam entusiasmados, se estavam a trabalhar bem...
... disse-lhe que neste momento, Empada deve ser a aldeia da Guiné mais conhecida em todas as escolas portuguesas com 12ºano!

Fez-se um momento de silêncio e depois ela disse-me assim:
"Olha que o Liceu de Empada tem 426 alunos inscritos e o Jardim tem 100." eheh

Parece que o laboratório de Química e Física está adaptado a uma sala de aulas normal (porque têm muitos alunos e porque não têm material no laboratório).

... esclarecidas todas as dúvidas que precisava tirar, mandei grandes "manténhas" para toda a gente de lá...

... que saudades de Empada...


segunda-feira, outubro 27, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Quando o canapé está virado de lado ou de pernas para o ar, é sinal que não está ninguém em casa...

Assim que chegávamos a casa de alguém, um canapé era logo trazido para que nos pudéssemos sentar e ficar ali a conversar. Existem de vários tamanhos, desde muito pequenos até bem grandes, dando para se sentarem duas ou três pessoas. A estrutura é muito simples, mas a sua simplicidade não é de fácil reprodução. Só uma zona específica da Guiné tem as árvores com a madeira certa para fazer canapés.

A criança que está sentada neste canapé esteve ali largos minutos a brincar. Só tinha o canapé partido e a terra vermelha à volta, mas foi o suficiente para baloiçar, deitar-se, divertir-se...

Quando a cadeira da nossa casa se estraga, o normal é deitar fora e comprar outra. A ideia do terceiro R (Reduzir; Reciclar; Reutilizar) parece que por aqui ainda não saiu do papel, mas nem por isso deixa de ser colocada em prática onde os três R's ainda nem chegaram ao papel...


domingo, outubro 26, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Combinei com um grupo de alunos que me escreveu com dúvidas, que colocaria aqui algumas informações sobre Empada. Sendo assim, cá vão elas:

1 - Em Empada só existem dois locais com electricidade: a missão das Irmãs e um posto de serviço que não sei bem onde fica (mas é uma espécie de junta de freguesia). A electricidade existe porque estes dois locais têm geradores que transformam o gasóleo em electricidade. Existem também painéis solares na missão e no Hospital, mas o do hospital está avariado e não funciona...

2 - Existe um posto civil onde está o chefe de posto. Não sei muito bem, mas deverá equivaler ao presidente da junta, ou seja, compete-lhe fazer a "ponte" com as autoridades do governo. Existe também um posto de polícia (que tem um ou dois polícias, penso).

3 - Todas as pessoas que estudaram até ao 9º ano percebem relativamente bem o português. Isto acontece porque o português é a língua oficial da Guiné (embora a língua materna deles seja o crioulo) e todas as aulas são, portanto, em português. As crianças não percebem o português, mesmo as que vão à escola! Quem fala bem a língua de Camões, são as pessoas mais velhas que viveram a época colonial.

4 - A maior fonte de sustento das pessoas da Guiné-Bissau é a venda de Cajú, que acontece numa altura específica do ano. Este é o momento mais importante na economia das pessoas, porque o Estado Guineense compra todo o cajú que as pessoas recolherem (penso que para exportar) e é com esse momento que as pessoas ganham o dinheiro suficiente para garantir que podem comprar arroz (o alimento base das famílias). Depois disso, as pessoas têm uma agricultura de subsistência. Em Empada vendem o que sobra dessa agricultura no mercado da aldeia. Pode ser batata doce, milho, peixe, entre outras coisas.

5 - O mercado, a escola primária e o liceu, ficam dentro da aldeia de Empada.

6 - Segundo os dados de 2006 do governo, a aldeia de Empada tem cerca de 2500 habitantes. Cada família deverá ter em média entre 8 a 15 pessoas.

7 - Os principais utensílios agrícolas são a catana, a enxada, a pesca à linha e pesca com rede (aquelas que aparecem no documentário).

8 - Se uma pessoa perde a candonga tem de esperar pelo dia seguinte para viajar. A única alternativa é ter uma mota (caríssima) ou uma bicicleta (mais acessível, mas mesmo assim cara para uma pessoa de Empada). À esmagadora maioria das pessoas de Empada, só lhes resta andar a pé.

9 - O CRN e a Farmácia estão a poucos metros de distância (10/15 metros) um do outro, mas tanto estes como o Hospital estão mesmo na aldeia de Empada. No entanto são os únicos para todo o Sector de Empada: 82 aldeias (15 mil habitantes).

10 - As doenças mais frequentes são neste momento a Tuberculose, Malária e Sida.


E pronto! Aí estão muitas informações sobre Empada.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Alguém consegue adivinhar o que é isto?

(a Ketta e a Patrícia não podem responder)


... 5 dias depois ...



Um dia, quando íamos a caminho da casa da Matilde e do Sr. Quintino para entrevistar a filha mais nova deles, a Rosa, encontrámos duas senhoras sentadas por baixo do alpendre da casa a tirarem uma "massa" castanha de um alguidar e a moldarem-na numa esfera...

... o resultado final dessa moldagem manual eram umas esferas como as que estão na fotografia. Intrigados com aquilo decidimos aproximar-nos para perceber o que era aquilo. Numa primeira fase, riram-se de nós que não sabíamos o que aquilo era.
Depois lá nos disseram: são bolas de sabão para lavar a roupa.

Acho que nos explicaram como é que faziam esse sabão, mas sinceramente não percebi nada! Acho que fiquei demasiado intrigado com este sabão para ouvir qualquer outra coisa...



Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Gosto muito desta fotografia, muito mesmo, mas verdade seja dita, quem fez o clique aqui foi a Ketta.
Enquanto eu e a Patrícia entrevistávamos a Safi, a Ketta ficou a tirar fotografias às crianças. Esse era um dos poucos métodos que resultava para conseguirmos ter um pouco de calma à nossa volta e assim falarmos com mais à vontade com a Safi.

Na fotografia está a Cadijia, a filha da Sumai. A sua beleza é incandescente! Tem um sorriso lindo e uns olhos que nos prendem literalmente. É uma daquelas crianças que dá vontade de trazer para casa...


quarta-feira, outubro 22, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau



Este foi o segundo desenho que fiz em Empada. Estas árvores que aparecem estão completamente podadas, o que não é normal. Quando chegámos, a Ir.ª Emma disse-nos que dali a 15 dias as copas já estariam com muitas folhas, que quase não se notaria que tinham sido podadas. Achei aquilo muito estranho... como é que em 15 dias as copas das árvores iriam ficar cheias de folhas?

Ao fundo vê-se a palhota onde foi feito o debate com os jovens de Empada. Quando vi essa palhota pela primeira vez lembrei-me de uma fotografia do Gonçalo a dar aulas de viola nesse mesmo local, mas em 1997...

Antes de chegarmos, consta que essa palhota estava inabitável! Eram tantas as aranhas e insectos que se tornava impossível estar ali sentado à sombra. Parece que a solução para o problema passou pela "contratação" de um felino eficaz! O gato da missão chama-se Delmar (veio dos arquipélagos dos Bijagós através de barco), e num prazo de poucos meses conseguiu deleitar-se com tanta bicharada! Não havia aranha que lhe escapasse! Os lagartos (daqueles bem grandes) então, chamava-lhes um petisco! O empenho do Delmar foi de tal ordem que quando nós chegámos, a palhota era um dos locais onde as crianças permaneciam tranquilamente durante as tardes.

... depois de 15 dias em Empada as copas das árvores estavam muito bem compostas, e passadas 3 semanas quase nem parecia que tinham sido podadas!

Eu fiquei incrivelmente encantado com o poder do clima tropical.
O calor conjugado com a humidade faz verdadeiros milagres...

terça-feira, outubro 21, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Ando a entusiasmar-me com o texto e estes post estão a ficar muito grandes... depois já sei que ninguém lê...

Bom, as casas de Empada...

A grande maioria tem um telhado feito em palha. Essa palha resiste no máximo a duas épocas de chuva (dois anos portanto) e depois é necessário substituir tudo, senão começa a chover dentro...

Quem tem um pouco mais de posses tem telhados de zinco. Mas para ter esses telhados é preciso ter, não só dinheiro para comprar as placas de zinco, como também as traves em madeira, que têm necessariamente de ser mais resistentes que as outras (que só suportam a palha).

Artisticamente falando, as paredes são absolutamente fantásticas! A textura é fenomenal e as cores são incríveis. Representá-las no papel em aguarela seria um desafio emocionante...
... a parte mais triste das paredes é que se desfazem muito facilmente. Provavelmente o doseamento entre a areia e o cimento não foi bem calculado, ou então não havia dinheiro suficiente para comprar o cimento necessário.

O chão é também em terra.
O gado dorme dentro de casa. São poucas as famílias que já construíram uma divisão à parte para os animais.

Na casa da Safi só existe uma cama. A restante família dorme no chão... ou melhor, na terra...


segunda-feira, outubro 20, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Quando chegámos a casa da Safi para gravar o dia de trabalho da família ainda era escuro. São essas imagens que estão no início do documentário. Todo aquele cenário era tão fascinante que eu estava na dúvida entre tirar fotografias ou ficar petrificado a olhar para o que me rodeava. O fumo que saía por entre as palhas era lindíssimo... as crianças a acordarem saíam aos poucos de casa e começavam a vestir-se.
Quando a Sumai foi buscar água para lavar a loiça, as crianças aproveitaram a água para lavarem a cara e os dentes...
A Franca lavou os dentes com os dedos. Enquanto lavava os dentes olhava para mim e para a Patrícia. Eu tirei-lhe esta fotografia. A Patrícia gravou todo o momento.

Por esta altura nós já estávamos familiarizados com todos eles. Foi por isso que estas imagens saíram tão naturais...
Nos primeiros dias, quando chegávamos a casa da Safi, todas as crianças vizinhas se aproximavam a pedirem que tirássemos um postal (fotografia). Quase não se conseguia gravar nada. A única coisa que saía eram crianças super felizes a olhar para a câmara e depois para o pequeno visor, tendo como consequência uma risota pegada de alguns segundos.

A imagem que me fica dessas cenas é a do disparar do flash. O efeito imediatamente posterior era uma alegria de tal forma contagiante que só pensava em fazer mais um clique para ouvir tantas gargalhadas de tantas crianças!


domingo, outubro 19, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




A escola primária de Empada recebeu um apoio fantástico nos anos 90 que permitiu dar trabalho a carpinteiros e ferreiros e construir carteiras novas para as crianças poderem estudar em melhores condições.

Quando em 98/99 a guerra civil despontou na Guiné, a capital ficou tão afectada que mobilizou uma onda de refugiados pelo interior do país. Empada não chegou a sofrer directamente dessa guerra, mas muitos refugiados das cidades vizinhas procuraram ali abrigo.

A Guiné-Bissau parou praticamente toda a atividade durante a guerra e a escola primária de Empada não foi excepção à regra. Aliás, nem teve muitas possibilidades de escolha, as salas de aula passaram a servir de abrigo aos refugiados...

Durante esse tempo, as pessoas utilizaram as madeiras das cadeiras e mesas para poderem cozinhar, porque sair para o mato à procura de lenha era perigoso...

... passados 10 anos dessa guerra civil, a escola primária de Empada continua com as consequências. As crianças sentam-se nos ferros e escrevem em cima do que restou das madeiras...

Quando uma guerra acaba, aos nossos olhos, tudo fica em paz, mas a realidade é bem diferente...
... o que havia antes nunca mais volta a ser o mesmo...


sábado, outubro 18, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Se há objectivo do milénio que já é aplicado na Guiné-Bissau é o oitavo!

As mulheres pescam dia sim, dia não. Os homens pescam de vez em quando. Quando pescam vão de canoa pelo mar para pescar peixe maior. As mulheres pescam no rio com estas redes que se vêem na fotografia. Só pescam quando está maré baixa. Este braço de mar fica pequenino, mas mesmo assim elas têm de se organizar para irem pescar juntas. Colocam-se todas em linha a cobrir o leito do rio, de uma margem à outra, para que os peixes não consigam escapar.

Elas sabem que se forem pescar sozinhas os peixes fogem, mas se forem juntas, todas conseguem levar peixe para casa.

No final, o que cada uma pescou é para a sua família. O trabalho é conjunto, mas o benefício é pessoal, de cada uma delas.

É bonito este trabalho das mulheres de Empada.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Então e os homens de Empada?
No documentário não aparecem... por isso surge a dúvida...

Na fotografia está o Idrissa, o único filho rapaz da Safi. Não sei que idade tem, mas por não ser casado ainda não é considerado um homem grande.

A maioria das pessoas de Empada são muçulmanas e isso implica uma atitude muito especial em relação aos homens. Se por um lado representam um pilar na família, com tudo o que de bom isso acarreta, por outro, a liberdade que têm permite-lhes tomar decisões nem sempre pacíficas em relação à mulher.

Um homem mais velho é considerado um "homem garandi"- homem grande ou homem sábio -. Isso é algo de muito importante numa aldeia como Empada. Os problemas resolvem-se todos por uma espécie de conselho entre os homens garandis da terra. São eles que permitem tudo funcionar, que a paz se mantenha, que os conflitos de resolvam...

O homem garandi é-o pela idade e pelo respeito dos outros homens, mas essa grandeza vê-se pela forma como ajudam (ou deviam ajudar) a família...

... a Safi não casou uma terceira vez (o que lhe custou a rejeição da família) porque não sabia que homem lhe iria calhar... se um que iria com ela trabalhar para o campo, ou se daqueles que ficaria em casa à espera que a mulher ponha a comida no prato...

Em Empada são as mulheres que são grandes, sábias, fantásticas. Elas são todas assim...

Os homens... alguns são garandis, mas muito poucos são grandes homens!

O Idrissa não tem grandes opções a não ser a de ser um homem GRANDE. A idade que tem não interessa nada. O Idrissa trabalha muito! Vai pescar todos os dias para ajudar a colocar comida no prato. Tenta vender os peixes maiores para fazer algum dinheiro e come apenas o que sobra...

Que homens somos nós?

... grandes ou garandis?


quinta-feira, outubro 16, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Quando a Safi explica no filme que ela e as filhas andam 13 quilómetros para chegar até à horta, não se percebe bem que caminho é esse...

Acho que me compete aqui dar a conhecer um pouco do que realmente se faz a pé. Os primeiros 3/4 do caminho fazem-se por terra batida. Logo quando se sai de Empada há uma descida acentuada e logo depois há uma subida íngreme durante uns bons 15/20 minutos. Sobe-se isso tudo carregado com as ferramentas para lavrar a terra.

O último troço do caminho é já muito perto de um braço de mar. A terra torna-se húmida e aos poucos entramos por uma vegetação tão densa que (pelo menos eu) começamos a olhar para os troncos das árvores para saber quando é que vai cair um cobra em cima de nós...

A imagem registada pela fotografia acima, mostra o terreno exactamente antes de chegarmos à horta... a água é tanta que fiquei com as minhas botas bem ensopadas. Passei o dia inteiro com os pés cheios de água dentro das botas.

Aqui o perigo são as cobras de água... morre muita gente por causa das picadas das cobras de água. Quando estão a trabalhar nos arrozais passam horas a fio com água pela cintura e é muito normal serem picados...

É um trabalho duro.
Quando estava lá não conseguia deixar de me deliciar com a paisagem. De vez em quando parava e pensava no local geográfico onde me encontrava, como que querendo afastar-me em altitude e ver do "alto" como estava longe de Portugal, como estava longe de tudo, e como estar ali era tão especial.

Naquele momento tinha a minha vida confiada à família da Safi...

segunda-feira, outubro 13, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A Fámata tinha o penteado mais incrível de Empada! Fiquei absolutamente fascinado! Tão fascinado que, embora não a conhecendo muito bem, não resisti a pedir-lhe que me deixasse desenhá-la...

O cabelo é desde há séculos uma fonte de energia para as pessoas. Tudo o que simboliza faz com que nos sintamos melhor se temos um cabelo bonito. Se o cortamos, ele volta a crescer! Só isso é de tal forma misterioso que nos leva a termos um cuidado especial com ele.
O cabelo e a forma como é penteado mostra um pouco de nós, da nossa personalidade. Serve para marcar a nossa posição, para nos identificar com determinado grupo, mas também para seduzir.

As mulheres da Guiné tratam o cabelo com uma delicadeza e cuidado surpreendentes. O cabelo é a parte mais sensual do seu corpo. Passam horas com as amigas a tratar dele, a pentearem-se, a colocarem-se bonitas. Arranjam penteados novos, surpreendentes. Conseguem assim chamar a atenção para elas...

... não é o que se passa também connosco por cá?


Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Quando faltava pouco mais de uma semana para virmos embora, surgiu a oportunidade de conhecer uma nova família. A família da Matilde e do Quintino. Chegámos a fazer a entrevista e tudo. Filmámos a casa, as divisões, onde cozinhavam, dormiam, guardavam os animais, onde plantavam o arroz de sequeiro até chegar a hora de o levar para as bulanhas (arrozais) e estavam sempre várias crianças de roda de nós.

Uma delas era este rapaz que aparece na fotografia. Não sei o nome dele e só o vi das vezes que fui a casa da Matilde (que ficava no extremo de Empada). Um dia disse-lhe que os calções lhe estavam grandes (tinha de subir os calções sempre que dava um passo). Ele ficou envergonhado e desapareceu...

... passados alguns minutos voltou. Apareceu com uns calções diferentes, ainda grandes, mas não tão grandes.
Sorriu para mim.

Nesse dia percebi que o que dizemos tem um peso muito grande. Um ligeiro comentário, uma pequena observação faz a diferença. Senti que o valor da minha voz era tal, que poderia usá-la para algo maior, algo transformador, algo de importante...

... fiquei a pensar nesse momento e ainda hoje penso nele...


... a minha voz está cá e portanto não se pode fazer ouvir lá...

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




A história desta fotografia é muito simples:

Um dia fomos visitar o hospital de Empada. De chinelos nos pés, lá fomos por entre vários trilhos de terra vermelha com as pernas a bater nas plantações de mancarra (amendoim). Estava um sol tão intenso e abafado que era quase sufocante estar na rua. Corajosos, seguimos viagem até ao hospital. Visitámos os doentes, vimos a sala de partos (que descreverei noutra altura com uma fotografia apropriada), conversámos com o médico (o único do hospital), mas sobretudo conversámos com os doentes internados.

Quando nos apercebemos que estavam a aproximar-se umas nuvens, decidimos regressar antes que começasse a chover. Andámos 2 minutos e de repente começou a chover toda a água do céu! Toda mesmo! Parecia que íamos ficar inundados com tanta água...

Corremos um pouco até à casa de uma pessoa onde nos abrigámos. Pensei para comigo: "fogo! foi por um triz que não ficámos com a câmara de filmar encharcada..." - seria a nossa desgraça!

Ao longe vinham umas crianças bem descontraídas, num passo calmo, a aproveitar a água que caía de forma quase divina...
A mais pequenina vinha quase a dançar, tal era a satisfação de andar à chuva!

A água na Guiné é um dom de Deus. Só chove nos meses de Julho a Setembro e é com essa água que se prepara todo o campo de cultivo...

... plantam-se as sementes, planta-se o arroz...


domingo, outubro 12, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Estas latas fascinavam-me de tal maneira que ficava como que hipnotizado a olhar para elas... para as gotas a caírem e a transbordarem para fora...

Neste dia estive sentado em casa do curandeiro durante umas horas. Não podia sair dali porque chovia muito, mas também não me apetecia deixar aquele pedaço de lugar tão calmo... tão cheio de nada...

Foi neste dia que desenhei a Leonor...
Foi neste dia que desenhei as latas e baldes...
Foi neste dia que me lembrei do melhor professor de Desenho que tive até hoje... Domingos Rego...
Foi neste dia que me apeteceu desenhar com aguarelas e não pude porque não as tinha...
Foi neste dia que me apeteceu desenhar com a terra vermelha...
Foi neste dia que voltei a lembrar-me que são as coisas simples e pequeninas que interessam, que têm valor...

Foi neste dia que me apeteceu ficar lá...

sábado, outubro 11, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




Esta é a Franca. Aquela menina que aparece no documentário a lavar os dentes com os dedos.

Quando fomos à horta da Safi fazer a filmagem, num dos momentos de descanso eu e a Ketta estivemos a jogar com ela aquele jogo em que se batem as mãos e se canta ao mesmo tempo. Ela levava aquilo tão a sério que ficava com um ar super concentrado e uns olhos esbugalhados de atenção para não perder a lógica da sequência.

Normalmente a Franca estava sempre a rir, sempre bem disposta, sempre alegre. Quando a desenhei ficou tão séria que nem parecia ela. Ao fim de algum tempo já estava cansada de posar para mim. Mexia-se frequentemente, mas quando lhe perguntava se já estava cansada (bu stá cansa?) ela sorria e abanava a cabeça negativamente...

... são assim os guineenses... têm grande espírito de sacrifício, mesmo nas coisas simples como ajudar um amigo a fazer um desenho...

sexta-feira, outubro 10, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Fanado.

É festa...
São palmas, danças, tambores...
Muita cor...
As mulheres dançam...
Os homens tocam e bebem...
É motivo suficiente para matar um animal e comer a carne...
Dura a semana inteira e acaba com uma festa durante toda a noite...
... no final, alguns rapazinhos passaram a ser adultos... prontos para assumirem responsabilidades de adultos...


quinta-feira, outubro 09, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Os guineenses são incrivelmente belos!

Para os gregos o Belo não era um tema fácil: Platão conversou uma vez com Hípias sobre o assunto e o resultado foi: "O Belo é difícil". Para os gregos o Belo era o ideal, havendo uma influência grande ao nível do pensamento, da Filosofia. A propósito deste Belo, apetece-me saltar para o Renascimento (séc. XV), mais especificamente para o tratado De Statua do artista, arquitecto e tratadista Leon Alberti. Nesse tratado, Alberti fala do Belo como momento Concinitas, ou seja, o momento em que tudo está perfeito... em que o risco de continuar a obra é de tal forma grande que toda a Beleza se perderá se se mexer um milímetro da obra...

... assim são os guineenses...

Platão ficaria pasmo com o Belo que encontraria neles!
Alberti não descansaria enquanto não os representasse na sua devida proporção, equilíbrio, harmonização!



... eu, na minha pequenez, com a minha Canon, tentámos trazer um escasso momento desse Belo guineense...


Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau



Estava eu no Centro de Recuperação Nutricional quando me foi pedido para registar as novas crianças subnutridas. Nesse dia apareceram no Centro umas 10 crianças novas, além das 50 habituais visitas diárias.

O Centro de Recuperação Nutricional de Empada tem perto de 500 crianças inscritas, vindas de Empada e aldeias das redondezas (dizer redondezas aqui é quase uma ofensa, já que vêm pessoas que caminham um dia inteiro, com uma criança doente às costas, para receberem ajuda do Centro).

Uma mãe vai com a sua criança subnutrida ao Centro de 15 em 15 dias, mas quando a criança tem uma subnutrição grave, a mãe tem de levá-la todos os dias para comer uma papa especial do Programa Alimentar Mundial (PAM).

Neste dia, a criança da foto, chorava de tal maneira que parecia que o mundo ia acabar amanhã! Talvez fosse mesmo para ela. Não sei o que é estar subnutrido e acho que nem consigo imaginar, mas quando uma criança chora neste Centro, o respeito pelo choro é algo de incrivelmente tocante...

... quando tirei a máquina fotográfica o choro abrandou...
... quando tirei esta fotografia a criança olhou para mim com um ar de curiosidade tão grande, que por momentos, penso que se esqueceu do seu choro e se deixou encantar pelo "admirável mundo novo" da fotografia...

... a mãe sorriu... talvez porque por momentos a criança parou de chorar...

terça-feira, outubro 07, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A primeira vez que joguei à bola em Empada foi ao final da tarde, antes do jantar. As crianças estavam a jogar e a vontade que tinha de me juntar a elas era tão grande que não resisti...

Comecei o jogo de chinelos, mas rapidamente passaram do pé para a mão. Jogar descalço naquela terra vermelha é uma experiência incrível. A terra é fininha... entranha-se nos pés ao ponto de ficarmos com a pele vermelha. Assim que fiquei descalço, as crianças começaram a comentar o facto de estar a jogar como elas... riram-se de mim, mas ao mesmo tempo ficaram mais entusiasmadas e o jogo passou a ser mais fascinante!

No meio das dezenas de crianças que estavam no campo, havia uma com uma camisola do Sporting. Na parte de trás tinha o nome do Yannick D'jaló.
Nesse dia não fazia a mínima ideia que mais tarde iria desenhar o Tomás, grande fã do Sporting, mas sobretudo um apaixonado pelo futebol. O Tomás é o irmão mais novo da Helena (aquela que aparece no documentário do del8) e passava os dias no campo a jogar. Por ele não fazia mais nada na vida...

Quando o desenhei, tinha um amigo dele atrás de mim que não parava de rir porque eu tinha desenhado aquele ângulo mais bicudo da nuca da cabeça dele. Quando acabei o desenho fiz-lhe uma proposta: "agora desenha-me a mim" - disse eu. "Cá pudi" (não posso) - respondeu-me ele.

Não pode... ou não consegue... mas uma coisa é certa: o fascínio pelo desenho ficou-lhe entranhado... estava sempre a pedir para mostrar o desenho dele aos amigos!

Nessas alturas pensava em como não me importava de ficar ali a ensinar a desenhar...

segunda-feira, outubro 06, 2008

Fotografia: Guiné-Bissau | Photography: Guinea-Bissau




Levava o giz num dos bolsos dos calções, e no outro, um esfregão de loiça que servia de apagador. A primeira semana de aulas foi dura! Não percebia se me fazia entender... os alunos olhavam para mim com um ar de quem está a entender tudo, mas o silêncio deles transmitia-me outra coisa... que estavam a tentar entender o que eu dizia...

Dar aulas de português foi um desafio enorme para mim. Sobretudo porque o meu português usa palavras de Portugal que não se usam na Guiné...
Foi preciso sintonizar a minha linguagem, o meu modo de pensar, perceber as relações familiares, conseguir dar exemplos da vida quotidiana deles, pensar como um guineense...

A primeira semana foi muito difícil mesmo! Não conseguia perceber se os meus exemplos eram suficientemente claros para os alunos...
... até que um dia decidi dar-lhes um trabalho de grupo parecido a um que já dei aos meus alunos aqui de Lisboa. Contei-lhes a história do "Fumo e o Assado" e deixei o final em suspense para que eles o conseguissem resolver...
... fizemos um debate, muito produtivo por sinal, e no final percebi que todos tinham gostado da aula.

Boa! Pensei eu...
... a partir dessa aula tudo correu melhor e comecei a sentir que poderia ficar por ali durante anos a ensinar e a contar histórias...

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A Guiné tem muitas etnias... uma das mais comuns é a dos bijagós. Os bijagós têm origem no arquipélago dos Bijagós, daí o nome...

Muitos são os bijagós que saíram das ilhas e estão agora por todo o território guineense. Diz-se que uma das suas grandes especialidades é subir às palmeiras para tirar as sementes de óleo de palma.

Este senhor que desenhei chama-se António Carvalho, mas ninguém o chama por esse nome. É conhecido por "Ambuduco". Nunca percebi o porquê desse nome, mas quando eu o chamava de Sr. António, todas as crianças se riam porque era um nome a que não estavam habituadas...

Quando lhe disse que gostava de o desenhar, tratou logo de arranjar um "afazer" para que não parecesse que não fazia nada. Foi buscar uma fita de palmeira e começou a prepará-la para ficar apta como instrumento para subir a palmeira.

Sentado num "canapé" (banco tradicional guineense), trabalhou enquanto desenhei. Logo depois de terminar o desenho, mostrei-o a ele. Sorriu, abanou a cabeça afirmativamente e depois apertou-me a mão...

sábado, outubro 04, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




Eis a Leonor...

Neste desenho parece um pouco mais velha do que é na realidade. A Leonor estava sempre a sorrir, mas quando teve que posar para o desenho ficou séria durante uns largos minutos... nem parecia ela...

Desde que cheguei a Empada que a Leonor me chamava pelo nome. Eu nunca me lembrava do nome dela. Quando passava pelo carreiro, por entre as plantações de amendoim, para ir dar aulas de português, ela gritava ao longe o meu nome. Eu bem queria dizer o dela, mas nunca me lembrava do nome... dizia apenas: "cumá qui bu mansi?" ou apenas"cumá?". A resposta era óbvia: "está bem".
Este era o diálogo mais comum que eu conseguia travar com qualquer pessoa de Empada. Era uma espécie de "olá como estás? - tudo bem!"

Um dia um rapaz disse-me: "Mário, se eu digo o teu nome, porque é que tu não dizes o meu?"
Nem sabia o que responder... não queria admitir que não conseguia memorizar tantos nomes em tão pouco tempo... mas teve de ser. Lá admiti a minha limitação para os nomes...
Depois disse-me: "O meu nome é Helton. Não podes esquecer-te mais!"

A partir daquele dia fiz um esforço para não me esquecer mais de nenhum nome...
... não fiquei um expert na matéria, mas pelo menos não me esquecia tão facilmente...

Leonor foi um dos nomes que fixei primeiro depois da conversa com o Helton...

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau





Neste dia chovia muito... nada o fazia prever... saí calmamente pelo carreiro de terra batida (bem vermelha) e, chegando ao poço, parei para começar a desenhar a estrutura. Logo a seguir, o curandeiro de Empada, que vive na casa mesmo ao lado do poço, chamou-me pelo nome! Primeiro não percebi bem se era mesmo a mim que ele chamava, mas depois confirmou-se.
Levantei a mão para o cumprimentar: "cumá?" - perguntei eu. Riu-se. Não sei se da minha pronúncia ou se de ver um branco falar crioulo...

... logo de seguida começou a chover torrencialmente. Deixei o desenho do poço inacabado e fui abrigar-me em casa do curandeiro. Sentado em cima de dois pneus velhos, olhava para mim com ar de grande satisfação por eu estar ali.
Era impossível ir para outro lugar. Chovia que Deus a dava!

Decidi então desenhar as várias latas e pequenos recipientes espalhados pela casa, colocados estrategicamente para recolher o máximo de água das chuvas...
A Leonor - a neta do curandeiro - estava encantada com os desenhos, pelo que tive de lhe propor que a desenhasse. Ficou logo contente. Com um sorriso de felicidade por alguém ir desenhá-la...

sexta-feira, outubro 03, 2008

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




A Helena é uma das personagens principais do documentário:
Cuma qui bu na mansi?
(http://video.google.com/videoplay?docid=2052532096242483858).

Quando acabei de desenhá-la perguntei-lhe se ela conhecia a Helena de Tróia. Não sabia... expliquei-lhe que gregos e troianos lutaram entre si por causa da sua beleza... não lhe expliquei que na realidade gregos e troianos nunca se entenderam, mas quando percebeu a importância histórica do nome, acho que ficou contente...

... a partir desse dia passei a chamá-la por Helena de Empada! Sorria sempre que a chamava assim...

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau





Quando estudava na António Arroio, no 11ºano, numa aula de desenho tivemos de desenhar os pés de todos os colegas. Depois dessa aula desenhei várias vezes os meus pés.

Na Guiné, não podia ter deixado de desenhar pés...
Neste dia estava muito calor. Fiquei com as pernas todas escaldadas e com a marca dos chinelos de tal forma entranhada que ainda não saiu! eheh

Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau






Este rapaz chama-se Papé e tem 9 anos. Vive em Empada, na Guiné-Bissau.
Quando o desenhei estava na semana de Fanado - o ritual de iniciação à vida adulta que inclui a circuncisão.

Enquanto o desenhava dois miúdos atrás de mim diziam: "alin li" ("é ele ali"). Depois de desenhar o Papé, quase todos os dias tinha crianças a perguntarem-me se as queria desenhar!


Diário Gráfico: Guiné-Bissau | Graphic Diary: Guinea-Bissau




Este Agosto estive em Empada. O objectivo era gravar o documentário para o concurso DEL8 - Apaga com os Objectivos do Milénio (http://del8.com).

Dada a minha formação foi inevitável não realizar um Diário Gráfico. O mais impressionante eram as crianças de roda de mim! Ficavam encantadas com os desenhos... mesmo aqueles que não saíam bem...

... incrível o poder do desenho...