terça-feira, junho 04, 2019

Florence: Piazzale Michelangelo


"Eu falo às Paredes foi o título que Jacques Lacan deu à série de seminários que realizou na capela do Hospital Psiquiátrico de Santa Ana, em Paris, entre 1971 e 1972. Lacan escolheu como epígrafe este pequeno poema de Antoine Tudal: 

«Entre o homem e a mulher
Há o amor. 

Entre o homem e o amor 
Há o mundo 

Entre o homem e o mundo 
Há uma parede.»

Fê-lo para recordar que no amor está sempre em jogo um obstáculo, um afastamento, uma distância irrecuperável - uma parede, justamente. Ele explora depois as associações sonoras que se podem estabelecer entre «parede» (o termo francês é mur) e «espelho» (miroir) ou entre «parede» (mur) e «amor» (amour), e sugere dois neologismos: muroir, a «parede-espelho», e (a)mur, a «parede que é uma não-parede». E acaba a explicar por que motivo devemos aceitar falar para as paredes: contra elas, a voz do amor ressoa."

José Tolentino Mendonça, O pequeno caminho das grandes perguntas


Tive uma cadeira nas Faculdade de Belas-Artes que se chamava Estudos Culturais e funcionou durante dois semestres. 
O primeiro - Estudos Culturais I - com o prof. Fernandes Dias, revelou-se uma grande aventura de conhecimento sobre cultura material e humana, exposições e abertura de horizontes sobre o debate etnológico.
O segundo - Estudos Culturais II - com o prof. João Peneda, foi completamente diferente, mas igualmente interessante. Abordámos a invenção do termo, mas fomos muito mais longe, aprofundando Freud e Lacan, assim como o trabalho de Paula Rego e a crítica de arte (ou seria de pensamento) de Slavoj Žižek.

Hoje sei que a convicção de escrever tudo o que se passava dentro da sala de aula me fez estar mais atento. Não processei tudo o que ouvi (nem seria possível), mas sei onde procurar quando for necessária mais informação.

Ao ler o livro do Tolentino Mendonça, quando encontrei o nome Jacques Lacan, veio-me um sorriso à cara e, assim de repente, com uma clareza simples, tudo fez mais sentido. 

...

Florença, 2018, Piazzale Michelangelo
Será que temos de entender na plenitude, hoje, a narrativa da Paixão da semana santa? 
Não, não temos.
Mas se a vivermos com o máximo de intensidade, um dia, também ela terá um sentido cristalino.