Pouso a mochila, tiro o caderno, dois lápis de grafite e dois lápis de cor. Olho para o relógio de parede e já são quase 21h45 quando começo a desenhar. As cordas estão a ensaiar os arranjos que foram colocados em partitura. “Que bonitos” - comentam entre eles.
Desenho o olhar da Maria Carolina e interrogo-me logo como é que foram as duas ali parar a este ensaio para o concerto depois da vigília das Jornadas Mundiais da Juventude. Ambas completaram o curso de violino, mas decidiram seguir outra carreira profissional. Uma estuda Gestão e a outra Matemática. Eventualmente poderão tocar na Orquestra Académica, pois é mais fácil de conciliar com os estudos.
“Como é que conheceram o CUPAV?” - pergunto. A Maria Carolina deu a palavra à outra Maria que me disse que a mãe frequentou o centro universitário de Coimbra (CUMN) e a encorajou a frequentar o centro de Lisboa quando veio para cá estudar. Desde que entrou, nunca mais deixou de lá ir.
De imediato pergunto como foi feita a seleção das pessoas que vão tocar e cantar. Olham as duas para o Duarte Rosado, padre jesuíta que ficou responsável pela escolha das músicas, aliás, a música é uma das suas áreas profissionais. Lançou este álbum de originais em 2022 com textos do profeta Isaías. Explica que perguntou entre os que frequentam o CUPAV quem gostaria e teria disponibilidade para ensaiar, tocar e cantar nas JMJ e rapidamente este grupo se juntou.
A sua voz tem um timbre delicado e grave, mas o que se destaca é a originalidade das melodias, pouco habituais quando comparadas com as que se ouvem neste contexto.
Agarra a guitarra com as mãos e toca com uma perna esticada e pousada numa cadeira. Recupera de operação cirúrgica ao joelho. Não sendo a posição mais ortodoxa, não é isso que o impede de ter um desempenho musical inabalável.
Fico surpreendido por encontrar estes jesuítas que não são apenas padres. São músicos, arquitetos, artistas, economistas, biólogos, entre tantas outras profissões que os caracterizam. Constroem pontes entre o mundo bíblico e a atualidade e raramente desiludem.
Entretanto chegam os cantores. Primeiro as sopranos, que entram de rompante no salão ainda a cantarolar as melodias que tinham acabado de ensaiar e com uma alegria contagiante - há realmente qualquer coisa de especial na música que transforma os músicos e também, inevitavelmente, quem os ouve - e com tal energia que é impossível desenhá-los enquanto não se organizam para cantar acompanhados pelos instrumentistas.
A primeira música a ensaiar é a 49. É estranho o título ser um número, mas trata-se do capítulo 49 do livro de Isaías.
No tempo certo te respondi,
Quando chegou o dia da salvação,
Vinha em tua ajuda.
Guardar-te para uma aliança,
Para dizer aos prisioneiros ‘saiam’,
E aos que vivem na escuridão: ‘venham p’ra luz’.
Como em qualquer ensaio, e este foi apenas o terceiro, quem dirige tem sempre mais trabalho nesta fase inicial. Foram várias as interrupções para pedir mais intensidade ou mais discrição, delicadeza, ritmo, compasso. Nota-se que há uma preocupação com os detalhes e a procura de uma perfeição. O olhar do João Goulão tem a intensidade de quem procura um pequeno deslize para corrigir, mas também a generosidade para um elogio autêntico. O seu modo de dirigir um coro é particular. Movimenta-se para trás e para a frente, caminha ao ritmo da música, pede para as vozes se virarem umas para as outras, para se juntarem todos ou então se afastarem, ou darem os braços para sentirem que estão a uma só voz.
O ensaio vai longo, já passa da meia noite, as vozes estão cansadas, os dedos que pisam as cordas dos violinos estão calejados e percebe-se que há ainda muito trabalho a fazer, mas antes de terminar a última música ainda há tempo para uma última expressão do João Goulão que me fica na memória: “força cordas!”
É isto que se espera de quem lidera. No momento da reta final, quando já todos se arrastam, há uma energia extra que só está ao alcance de quem vê mais longe e profundamente o potencial de cada pessoa, neste caso, de cada músico. E, com isto, o olhar da Maria Carolina, a violinista que está a tocar há mais de duas horas, ganha um foco de atenção redobrado e o ensaio termina como se estivesse para começar. Ninguém quer arredar pé e, mesmo depois de dispensados, todos continuam por ali a afinar detalhes, pequenas notas, palavras, modos de cantar…
O ensaio acabou mas ninguém sai, parece que o tempo não passa e que no dia seguinte não é segunda-feira.
De imediato pergunto como foi feita a seleção das pessoas que vão tocar e cantar. Olham as duas para o Duarte Rosado, padre jesuíta que ficou responsável pela escolha das músicas, aliás, a música é uma das suas áreas profissionais. Lançou este álbum de originais em 2022 com textos do profeta Isaías. Explica que perguntou entre os que frequentam o CUPAV quem gostaria e teria disponibilidade para ensaiar, tocar e cantar nas JMJ e rapidamente este grupo se juntou.
A sua voz tem um timbre delicado e grave, mas o que se destaca é a originalidade das melodias, pouco habituais quando comparadas com as que se ouvem neste contexto.
Agarra a guitarra com as mãos e toca com uma perna esticada e pousada numa cadeira. Recupera de operação cirúrgica ao joelho. Não sendo a posição mais ortodoxa, não é isso que o impede de ter um desempenho musical inabalável.
Entretanto chegam os cantores. Primeiro as sopranos, que entram de rompante no salão ainda a cantarolar as melodias que tinham acabado de ensaiar e com uma alegria contagiante - há realmente qualquer coisa de especial na música que transforma os músicos e também, inevitavelmente, quem os ouve - e com tal energia que é impossível desenhá-los enquanto não se organizam para cantar acompanhados pelos instrumentistas.
Sendo quase todos estudantes universitários, há um aviso inicial que o João Goulão, também ele jesuíta e responsável por dirigir o grupo, não se cansa de fazer: “conhaque é conhaque, trabalho é trabalho”.
Pese embora a presença de dois violinos e uma guitarra, o ensaio começa à capela, cantando com melodias novas, um texto com mais de 7 mil anos de história:
Pois eu gravei, a Tua imagem na palma das minhas mãos,
As tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos.
Pese embora a presença de dois violinos e uma guitarra, o ensaio começa à capela, cantando com melodias novas, um texto com mais de 7 mil anos de história:
Pois eu gravei, a Tua imagem na palma das minhas mãos,
As tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos.
No tempo certo te respondi,
Quando chegou o dia da salvação,
Vinha em tua ajuda.
Guardar-te para uma aliança,
Para dizer aos prisioneiros ‘saiam’,
E aos que vivem na escuridão: ‘venham p’ra luz’.
O ensaio vai longo, já passa da meia noite, as vozes estão cansadas, os dedos que pisam as cordas dos violinos estão calejados e percebe-se que há ainda muito trabalho a fazer, mas antes de terminar a última música ainda há tempo para uma última expressão do João Goulão que me fica na memória: “força cordas!”
É isto que se espera de quem lidera. No momento da reta final, quando já todos se arrastam, há uma energia extra que só está ao alcance de quem vê mais longe e profundamente o potencial de cada pessoa, neste caso, de cada músico. E, com isto, o olhar da Maria Carolina, a violinista que está a tocar há mais de duas horas, ganha um foco de atenção redobrado e o ensaio termina como se estivesse para começar. Ninguém quer arredar pé e, mesmo depois de dispensados, todos continuam por ali a afinar detalhes, pequenas notas, palavras, modos de cantar…
É desta matéria prima que se transforma o mundo num lugar melhor. Sem horas de acabar, só com horas para melhorar.
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