sexta-feira, outubro 27, 2023

Força cordas! - uma reportagem desenhada

Chego ao Lumiar já depois das 21h15, hora marcada a cada domingo para o início dos ensaios. Apresso-me a entrar no Centro Universitário Padre António Vieira (CUPAV) para desenhar o mais possível. Não conheço assim tão bem o local, mas ainda me lembro onde fica a porta de entrada. Toco à campainha, explico o que venho fazer e convidam-me a entrar com uma satisfação surpreendente. “Eles estão ali no salão a ensaiar”. Quando entro, encontro três instrumentistas: duas violinistas e um guitarrista. Os outros estão a ensaiar por slots - gosto sempre quando estes estrangeirismos se apoderam do quotidiano - baixos, tenores, contraltos e sopranos, cada grupo a praticar as respetivas vozes.

Pouso a mochila, tiro o caderno, dois lápis de grafite e dois lápis de cor. Olho para o relógio de parede e já são quase 21h45 quando começo a desenhar. As cordas estão a ensaiar os arranjos que foram colocados em partitura. “Que bonitos” - comentam entre eles.


Desenho o olhar da Maria Carolina e interrogo-me logo como é que foram as duas ali parar a este ensaio para o concerto depois da vigília das Jornadas Mundiais da Juventude. Ambas completaram o curso de violino, mas decidiram seguir outra carreira profissional. Uma estuda Gestão e a outra Matemática. Eventualmente poderão tocar na Orquestra Académica, pois é mais fácil de conciliar com os estudos. 

“Como é que conheceram o CUPAV?” - pergunto. A Maria Carolina deu a palavra à outra Maria que me disse que a mãe frequentou o centro universitário de Coimbra (CUMN) e a encorajou a frequentar o centro de Lisboa quando veio para cá estudar. Desde que entrou, nunca mais deixou de lá ir.

De imediato pergunto como foi feita a seleção das pessoas que vão tocar e cantar. Olham as duas para o Duarte Rosado, padre jesuíta que ficou responsável pela escolha das músicas, aliás, a música é uma das suas áreas profissionais. Lançou este álbum de originais em 2022 com textos do profeta Isaías. Explica que perguntou entre os que frequentam o CUPAV quem gostaria e teria disponibilidade para ensaiar, tocar e cantar nas JMJ e rapidamente este grupo se juntou.

A sua voz tem um timbre delicado e grave, mas o que se destaca é a originalidade das melodias, pouco habituais quando comparadas com as que se ouvem neste contexto.

Agarra a guitarra com as mãos e toca com uma perna esticada e pousada numa cadeira. Recupera de operação cirúrgica ao joelho. Não sendo a posição mais ortodoxa, não é isso que o impede de ter um desempenho musical inabalável.


Fico surpreendido por encontrar estes jesuítas que não são apenas padres. São músicos, arquitetos, artistas, economistas, biólogos, entre tantas outras profissões que os caracterizam. Constroem pontes entre o mundo bíblico e a atualidade e raramente desiludem.

Entretanto chegam os cantores. Primeiro as sopranos, que entram de rompante no salão ainda a cantarolar as melodias que tinham acabado de ensaiar e com uma alegria contagiante - há realmente qualquer coisa de especial na música que transforma os músicos e também, inevitavelmente, quem os ouve - e com tal energia que é impossível desenhá-los enquanto não se organizam para cantar acompanhados pelos instrumentistas.


A primeira música a ensaiar é a 49. É estranho o título ser um número, mas trata-se do capítulo 49 do livro de Isaías. 
Sendo quase todos estudantes universitários, há um aviso inicial que o João Goulão, também ele jesuíta e responsável por dirigir o grupo, não se cansa de fazer: “conhaque é conhaque, trabalho é trabalho”.

Pese embora a presença de dois violinos e uma guitarra, o ensaio começa à capela, cantando com melodias novas, um texto com mais de 7 mil anos de história:

Pois eu gravei, a Tua imagem na palma das minhas mãos,
As tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos.

No tempo certo te respondi,
Quando chegou o dia da salvação,
Vinha em tua ajuda.
Guardar-te para uma aliança,
Para dizer aos prisioneiros ‘saiam’,
E aos que vivem na escuridão: ‘venham p’ra luz’.



Como em qualquer ensaio, e este foi apenas o terceiro, quem dirige tem sempre mais trabalho nesta fase inicial. Foram várias as interrupções para pedir mais intensidade ou mais discrição, delicadeza, ritmo, compasso. Nota-se que há uma preocupação com os detalhes e a procura de uma perfeição. O olhar do João Goulão tem a intensidade de quem procura um pequeno deslize para corrigir, mas também a generosidade para um elogio autêntico. O seu modo de dirigir um coro é particular. Movimenta-se para trás e para a frente, caminha ao ritmo da música, pede para as vozes se virarem umas para as outras, para se juntarem todos ou então se afastarem, ou darem os braços para sentirem que estão a uma só voz.


O ensaio vai longo, já passa da meia noite, as vozes estão cansadas, os dedos que pisam as cordas dos violinos estão calejados e percebe-se que há ainda muito trabalho a fazer, mas antes de terminar a última música ainda há tempo para uma última expressão do João Goulão que me fica na memória: “força cordas!”

É isto que se espera de quem lidera. No momento da reta final, quando já todos se arrastam, há uma energia extra que só está ao alcance de quem vê mais longe e profundamente o potencial de cada pessoa, neste caso, de cada músico. E, com isto, o olhar da Maria Carolina, a violinista que está a tocar há mais de duas horas, ganha um foco de atenção redobrado e o ensaio termina como se estivesse para começar. Ninguém quer arredar pé e, mesmo depois de dispensados, todos continuam por ali a afinar detalhes, pequenas notas, palavras, modos de cantar…



O ensaio acabou mas ninguém sai, parece que o tempo não passa e que no dia seguinte não é segunda-feira. 

É desta matéria prima que se transforma o mundo num lugar melhor. Sem horas de acabar, só com horas para melhorar.


segunda-feira, julho 05, 2021

Panoramas & Vertical Vistas



Há histórias que são mesmo um mistério...

Quando o Gabi Campanario inaugurou a série Urban Sketching Handbooks, recomendou-hes o meu nome para ser autor de um segundo livro. Cheguei a trocar trocar emails com a editora, mas o projeto nunca avançou. Soube mais tarde que a pessoa com quem estabeleci o contacto na editora saiu de funções e o processo nunca foi retomado. Estávamos em 2014.

Em 2019, estava eu completamente engolido na fase curricular do meu doutoramento, a nova editora contacta-me a dizer que queria que eu fosse o autor de um livro de desenhos panorâmicos e verticais. Pensei: "como é que vou arranjar tempo para fazer este livro?" Fiquei umas duas semanas sem responder ao email e sem saber ao certo se teria tempo. A editora insistiu, enviou um novo email e pediu uma reunião por Skype (sim, ainda não usávamos o Zoom).  Aconselhei-me com os autores anteriores e o melhor que recebi foi: "negoceia todo o tempo que precisas para fazer o livro. Não o faças à pressa." 
Foi isso que fiz. Por isso é que este processo começou em 2019 e o livro só ficou pronto em 2021...

Sinceramente não sei como é que as editoras têm tempo e paciência para as minhas condicionantes.
Negociei também um capítulo com desenhos históricos. E outro sobre a visão humana. 
Não foi fácil, mas ficou tudo como eu queria. 

Estou muito contente com o livro!
Neste momento só é possível fazer a pré-encomenda online, mas a data oficial de lançamento é 21 de setembro.
Como dizem os americanos, "can't wait"! 

domingo, julho 04, 2021

Franklin McMahon: Reportage Master

 


A primeira vez que ouvi falar no Franklin McMahon foi num jantar em Amesterdão com um grupo de amigos. Já não me lembro bem porquê, mas o Jim Richards falou-me dele. Nem consegui perceber bem o nome e tive de lhe pedir que mo escrevesse no meu caderno.

Quando cheguei a Lisboa fui investigar mais sobre ele e fiquei fascinado. Encomendei um livro e fiquei ainda mais boquiaberto.

Quando as USkTalks começaram estava ainda longe de saber que iria falar sobre ele e que me ia debruçar tanto sobre a sua vida e obra. Desde julho de 2019 a maio de 2021 foi um mergulho profundo que me levou a reunir várias vezes com uma das suas filhas, encomendar mais livros, revistas e a ler muitos artigos online. 

As USkTalks nasceram como uma resposta à pandemia e não sei bem que futuro terão. Este foi o último episódio da segunda temporada e, se existir uma terceira série, teremos de trazer bastantes novidades, pois tudo tem um tempo e uma hora para acontecer...

Voltando ao Franklin McMahon, sei que em setembro vou estar de novo à conversa com a Deborah McMahon, a sua filha, desta vez no âmbito do evento académico 5 Minutos de Desenho, numa série que será dedicada ao desenho de reportagem. Depois disso, há ainda algo que poderá vir a acontecer, mas isso ainda está no segredo dos deuses... 

sábado, julho 03, 2021

How to Sketch a Country

 


Em 2017, quando os Urban Sketchers celebraram 10 anos de vida, estabeleceu-se uma parceria ímpar que juntava a vontade de mostrar um país e a paixão de desenhar. Assim nasceu o projeto Sketch Tour Portugal, que culminou com uma exposição memorável no edifício da Alfândega do Porto, durante o Simpósio internacional dos Urban Sketchers, em 2018.

Neste ano de 2021, em plena pandemia, eis que o Turismo de Portugal e os Urban Sketchers se lançam para a frente e, com muita coragem e alguma ousadia, relançam o projeto chamando-lhe mesmo Sketch Tour Portugal Reload.

Nesta USkTalk falou-se um pouco de tudo isto e também se mostraram desenhos, pois claro!

O programa deste ano promete. O livro ficará disponível nas livrarias, haverá uma nova exposição e espero que existam ainda mais algumas surpresas. 

Há uns dias brincava e dizia que só Portugal e os portugueses é que conseguiriam organizar um projeto desta natureza com tantos constrangimentos. Não há dificuldades que nos detenha!

quinta-feira, abril 22, 2021

Women Sketchers

 


A 14 de março de 2021 partilhei nas USkTalks o que tinha andado a investigar nos últimos meses, ou seja, o trabalho de 7 mulheres incríveis, seis inglesas e uma holandesa.

Não foi possível partilhar tudo, mas a verdade é que nunca se consegue comunicar tudo o que se investiga. Mas talvez o mais importante mesmo é garantir que se ganhe interesse pelo tema e depois cada pessoa investiga por si mesma.

É sempre um prazer imenso conversar com o Rob Sketcherman sobre pessoas que fizeram o mesmo que nós gostamos de fazer: desenhar e viajar. 

quarta-feira, janeiro 27, 2021

Sketching Venice with John Ruskin


No dia 24 de janeiro de 2021, quase um ano depois de se ter começado a sonhar o projecto USkTalks, estive à conversa com o Rob Sketcherman sobre a relação entre o John Ruskin e a cidade de Veneza. 

Tudo começou para ele em 1833, quase por acaso, numa viagem com os pais a Itália quando tinha apenas 14 anos. Nessa altura visitaram apenas o Norte de Itália, mas não chegaram a Veneza. O calor era demasiado e voltaram para Inglaterra. Dois anos depois fizeram um Grand Tour de seis meses e ficaram 10 dias em Veneza.

Depois disso John Ruskin haveria de voltar mais 10 vezes a Veneza (e muitas mais vezes a Itália), numa relação apaixonante e quase sempre com o desenho bem presente. Na última viagem, em 1888, já não desenhou e, mais importante de tudo, não se importou com isso...

Espero que gostem da conversa!

sexta-feira, novembro 27, 2020

Dentro de casa


Em abril de 2019 estava dentro da casa natal de Daniel Comboni, lugar onde nasceu e viveu, no Norte de Itália, nas montanhas, junto ao lago de Garda, numa terra chamada Limone.

Sentei-me na única cadeira disponível, comecei a desenhar e a imaginar a vida daquele lugar, crianças a correr de um lado para o outro, a subirem a escada para o sótão, o fogão de chão continuamente ligado para aquecer a casa, cheiros densos de madeira velha e de comida de inverno, ranger de tábuas no piso de cima, o vento a soprar lá fora e momentos de se estar apenas, assim sem fazer nada, apenas a olhar a vida...

Este olhar para dentro sempre foi ancestral. Andámos foi distraídos nos últimos anos.
Desenhar ajuda-me a olhar para dentro, ver com calma, abrandar ritmos, ver a vida, pois ela teima em arrumar-nos o interior, mesmo que queiramos olhar sempre para fora.

domingo, setembro 27, 2020

Lisboa anti-postal


Depois das três sessões memoráveis em Belém, proponho-me a desenhar mais bairros de Lisboa neste modo anti-postal, seguindo por Alcântara, Santos, Campo de Ourique, etc, etc, ao longo do ano.

E porque a luz de Lisboa é mesmo especial, farei isto em dois horários:

Horário 1: quartas-feiras das 14h30 às 17h00

Horário 2: quartas-feiras das 18h00 às 20h30

Enviarei o programa completo desta aventura anti-postal a quem estiver com vontade de embarcar numa viagem verdadeiramente surpreendente e não tiver medo de arriscar mares turbulentos que nos transformem os desenhos em algo que nunca imaginámos...

Vamos a isto?

Alfabeto Lisboeta 2020-21


O mundo mudou, dizem por aí. Então, mudámos também o nosso Alfabeto Lisboeta, pois está claro!

Desalinhamos do habitual e assumimos o alfabeto inteiramente online. Um programa que derruba fronteiras geográficas e permite que Lisboa se estenda a qualquer território através dos exercícios de desenho que vamos propor. Assim, evitamos surpresas covid e tomamos as rédias do assunto, ainda que em modo desalinhado!

Como habitual, as inscrições incluem uma percentagem de donativo à Associação Urban Sketchers Portugal, quem tem uma nova direção e já está a trazer novidades!

Para mais informação sobre o programa e condições: linhares.mr@gmail.com
Começa dia 10 de outubro! :)


sexta-feira, agosto 14, 2020

belém ANTI-POSTAL: take 3

 

Há projetos que nascem assim quase por acaso... e esta Lisboa anti-postal está a exigir mais de mim do que tinha imaginado inicialmente. Mas ainda bem. É a exigência dos participantes que puxa por mim e me faz querer ser mais e melhor. Obrigado por isso!

Os dois primeiros workshops anti-postal aconteceram em Belém. Como em tempos covid só podemos ter grupos pequenos, alinhei em repeti-lo mais uma vez, a última, já em final de tempo de Verão, mas no mês que promete ser o melhor de todos: setembro!

Por mais incrível que pareça, estou a anunciar agora, mas já não há muitas vagas, pois haviam algumas pré-reservas. Aqui vai o programa:

1 de setembro: Torre de Belém
3 de setembro: Padrão dos Descobrimentos
8 de setembro: Mosteiro dos Jerónimos
10 de setembro: Central Tejo

Inscrições: linhares.mr@gmail.com


domingo, julho 19, 2020

Lisboa anti-postal: take 2


O primeiro workshop Lisboa anti-postal esgotou rapidamente e, perante a lista de espera, optei por fazê-lo de novo, desta vez de manhã, durante a primeira quinzena de agosto.

Sei que não há horários perfeitos, mas agosto em Lisboa também é só um, pelo que venham daí e juntem-se a este workshop para pensar Lisboa com um olhar alternativo.

Serão quatro sessões:
4 de agosto (3.ª feira) - Torre de Belém
6 de agosto (5.ª feira) - Padrão dos Descobrimentos
11 de agosto (3.ª feira) - Mosteiro dos Jerónimos
13 de agosto (5.ª feira) - Central Tejo

O valor de um dos dias (25%) será doado integralmente aos Urban Sketchers.

Inscrições aqui: linhares.mr[at]gmail.com

domingo, junho 28, 2020

Lisboa anti-postal


Já há algum tempo que não organizo um workshop de diários gráficos apenas por minha iniciativa. A verdade é que os convites vão sucedendo e, quando damos por nós, estamos apenas a dar resposta a solicitações em vez de criar algo saído de uma vontade profunda e partilhá-lo com mais pessoas.

Nasce assim este workshop chamado de Lisboa Anti-Postal, com quatro sessões, num dos locais lisboetas mais icónicos para a criação dessas imagens postal: Belém!

O objetivo é utilizar o diário gráfico para procurar registos e composições em que esses locais se transformem numa verdadeira surpresa.

Começa dia 7 de julho junto à Torre de Belém.
Inscrições para o meu email: linhares.mr[at]gmail.com

sexta-feira, junho 05, 2020

5 minutos de Desenho


A Academia está a renovar-se e a dar sinais de vitalidade!

Estreou esta semana o evento 5 minutos de Desenho (ideia inspirada nos 5 minutos de Jazz), onde investigações artísticas (ou artigos científicos) na área do Desenho são apresentados num vídeo com 5 minutos. Uma semana depois da divulgação do vídeo há uma entrevista no Instagram da Faculdade com o respetivo autor. 

Além de estar na organização com uma equipa absolutamente fantástica (Grazielle Portela, Beatriz Manteigas, Hugo Passarinho e Américo Marcelino), participei já na primeira série com um vídeo sobre o meu tópico de investigação.

Com o título "no VENTRE do PEIXE", o vídeo já está incorporado e o texto completo pode ser lido aqui.

Dia 9 de junho de 2020, a conversa/debate aconteceu também no Instagram da FBAUL, liderada pelo fantástico professor Domingos Rego que ajudou a aprofundar ainda mais o tema que apresentei no vídeo. Aqui fica a partilha desse momento:

quinta-feira, maio 14, 2020

USk Talks

A ideia vem de 19 de março de 2020.
Andámos um pouco a tentar perceber como fazer tudo e, aos poucos, a equipa ficou definida: Rita Sabler (Portland, Estados Unidos), Rob Sketcherman (Hong Kong), Noga Grosman (Miami, Estados Unidos), Riona (Estugarda, Alemanha) e eu, daqui de Portugal. Mais tarde juntou-se Ludi (Bélgica), a Elizabeth Alley (Memphis, Estados Unidos) e a Christina Wald (Estados Unidos).

Sempre acreditei que não basta ter ideias. É preciso não ter medo de sujar as mãos a implementá-las. Este projeto é um excelente exemplo disso. Começou com bastante entusiasmo e alguns travões "vais precisar de uma equipa estável que consiga implementar o projeto", disse alguém. E disse muito bem. E que equipa se criou! No início nem sabíamos que o Rob ia ser o anfitrião, mas bastaram dois testes para perceber que ele nasceu para isto!

O projeto está a ganhar asas para voar alto. Não sei onde irá parar...
Vale a pena acompanhar por este link tudo o que se vai passando.

Entretanto, no passado dia 10 de maio, tive a honra de participar nas USkTalks para falar da viagem de Eugène Delacroix a Marrocos. Havia muito mais a dizer, claro, mas tudo bem, ficou o entusiasmo de quem ouviu para saber mais, o que é bom sinal. O Hugo Costa falou logo a seguir sobre o trabalho do arquiteto Louis Kahn e o projeto que tem em ir desenhar todos os sítios que o Khan desenhou. Incrível!

Partilho o link para verem e ouvirem. Desculpem lá algumas calinadas no inglês... 

sexta-feira, abril 17, 2020

Mudam-se os tempos...


"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", cantava o nosso saudoso José Mário Branco.

Estamos todos confinados em casa e temos de reinventar o modo como podemos continuar as nossas vidas. Eu, a Ketta e o Matias deveríamos estar em Timor-Leste, a desenhar o país de fio a pavio, mas os aviões ficaram todos em terra e nem havia outra opção a não ser ficar em Portugal...

Assim de repente, dois meses de agenda esvaziada propositadamente em Lisboa para se estar do outro lado do planeta, ficaram exatamente assim, vazios...
Mas o mais incrível é que o nada tende a ser preenchido com uma facilidade tremenda e, entre solicitações, ideias e imprevistos, os dias de quarentena já chegaram a 36 e tudo está a passar demasiado rápido...

Entretanto, o Nextart, centro de formação artística onde dou aulas de desenho, perante o meu vazio de calendário, desafiou-me a criar um curso em regime e-learning, convidando-me também para frequentar um curso de formação de e-formadores (caramba!).
Fiquei a pensar no assunto.
Entretanto o curso iniciou e, de facto, comecei a aprender algumas coisas novas.

E pronto, assim num repente, como que num daqueles momentos em que temos de tomar decisões porque não há mais espaço entre nós, a espada, e a parede, sentei-me à mesa, abri o caderno e comecei a estruturar o curso online de diário gráfico em que eu também gostaria de participar. Vinte e dois minutos depois estava o esqueleto montado. Deixei-o a repousar e, no dia seguinte, voltei a olhar para ele e completei o programa. Chama-se Diário Gráfico em Casa (que outro nome poderia ter?), tem oito sessões e começa dia 8 de maio. Toda a informação aqui.

terça-feira, dezembro 31, 2019

Music Sketching


Depois de muito tempo de preparação com a Fundação Gulbenkian, eis que as sessões de Music Sketching já têm data marcada e as inscrições estão abertas!

Poder participar nos ensaios gerais da orquestra e coro Gulbenkian é uma oportunidade verdadeiramente imperdível. Além de assistirmos às pequenas afinações e correções por parte do maestro, poderemos desenhar bem perto dos músicos.

Cada sessão terá um tema para desenhar e exercício específico criado a partir das peças musicais que vamos apreciar:

22 de janeiro: Temperatura musical 
Peças: 
. Inferno, de Nuno da Rocha 
. Concerto para Piano e Orquestra, em Sol maior, de Maurice Ravel 
. Daphnis et Chloé: Suite n.º 2, de Maurice Ravel 


12 de fevereiro: Criações abstratas 

Peça:
. A Criação, Hob.XXI:2, de Joseph Haydn 


4 de março: Composições em verso 

Peça: 
. Evgeni Onegin, op. 24, de Piotr Ilitch Tchaikovsky 


11 de março: Quadrípticos 

Peças: 
. Quatro peças sacras, de Giuseppe Verdi 
. Sinfonia n.º 9, em Ré menor, de Anton Bruckner


Serão sessões de 3h30, onde haverá tempo para desenhar e apreciar a música. A estrutura será a seguinte:
18h30: ponto de encontro nas bilheteiras do Edifício Sede da Fundação
18h40: apresentação do tema e exercício de desenho
18h55: entrada para o grande auditório
19h00: início do ensaio da orquestra e coro Gulbenkian / sessão de desenho
20h30: possível intervalo (o horário do intervalo depende do maestro): feedback ao trabalho feito
21h00: continuação
22h00: fim da sessão 

Nota importante: o maestro pode decidir terminar o ensaio mais cedo, ou nem fazer intervalo. 

Inscrições: clicar nos títulos a vermelho acima!

segunda-feira, outubro 14, 2019

Retiro de diários gráficos em Nápoles


Nápoles, a cidade que nos remete imediatamente para Pompeia, é o local escolhido para o próximo retiro de diários gráficos.

Há sempre quem me pergunte o que é o retiro. 
Penso que a melhor resposta se define assim:
O retiro de diários gráficos é uma partilha de exercícios de desenho de observação criados a partir do cruzamento entre o mundo artístico (pinturas, esculturas, filmes, livros) e uma seleção de textos bíblicos.

Os exercícios propostos são também o resultado da minha investigação de doutoramento.

Em Nápoles, os temas a desenvolver são:
- Viagem subterrânea
- O pó da terra
- Adamah
- Pompeia
- A colheita
- O som do Vesúvio
- Passado-presente-futuro

Há novas datas possíveis para 2022:
17-21 . março, 2022 [esgotado]
31 . março - 4 . abril, 2022 [esgotado]
7-11 . abril, 2022 [uma vaga]

Contactem-me por email (linhares.mr@gmail.com) para saber mais pormenores.

segunda-feira, setembro 23, 2019

Alfabeto Lisboeta [2019-20]


Há muito que queríamos homenagear os artistas que viveram e/ou trabalharam em Lisboa. De A a Z, vamos debruçar-nos sobre 26, aprender com eles, e desenhar a partir do seu trabalho.

O Alfabeto Lisboeta vai na 6ª edição! 
Eu, o Zé e a Ketta temos os neurónios a explodir de ideias e estamos ansiosos que as sessões do alfabeto comecem. A primeira é a 12 de outubro e a última a 11 de julho.

Para quem está disposto a pisar novos territórios lisboetas, aprender mais sobre Arte e, sobretudo, sobre o desenho, estão oficialmente abertas as inscrições!

Program completo e todas as dúvidas: linhares.mr@gmail.com



Mais um Alfabeto, mais cultura, mais arte, mais desenho!

terça-feira, junho 04, 2019

Florence: Piazzale Michelangelo


"Eu falo às Paredes foi o título que Jacques Lacan deu à série de seminários que realizou na capela do Hospital Psiquiátrico de Santa Ana, em Paris, entre 1971 e 1972. Lacan escolheu como epígrafe este pequeno poema de Antoine Tudal: 

«Entre o homem e a mulher
Há o amor. 

Entre o homem e o amor 
Há o mundo 

Entre o homem e o mundo 
Há uma parede.»

Fê-lo para recordar que no amor está sempre em jogo um obstáculo, um afastamento, uma distância irrecuperável - uma parede, justamente. Ele explora depois as associações sonoras que se podem estabelecer entre «parede» (o termo francês é mur) e «espelho» (miroir) ou entre «parede» (mur) e «amor» (amour), e sugere dois neologismos: muroir, a «parede-espelho», e (a)mur, a «parede que é uma não-parede». E acaba a explicar por que motivo devemos aceitar falar para as paredes: contra elas, a voz do amor ressoa."

José Tolentino Mendonça, O pequeno caminho das grandes perguntas


Tive uma cadeira nas Faculdade de Belas-Artes que se chamava Estudos Culturais e funcionou durante dois semestres. 
O primeiro - Estudos Culturais I - com o prof. Fernandes Dias, revelou-se uma grande aventura de conhecimento sobre cultura material e humana, exposições e abertura de horizontes sobre o debate etnológico.
O segundo - Estudos Culturais II - com o prof. João Peneda, foi completamente diferente, mas igualmente interessante. Abordámos a invenção do termo, mas fomos muito mais longe, aprofundando Freud e Lacan, assim como o trabalho de Paula Rego e a crítica de arte (ou seria de pensamento) de Slavoj Žižek.

Hoje sei que a convicção de escrever tudo o que se passava dentro da sala de aula me fez estar mais atento. Não processei tudo o que ouvi (nem seria possível), mas sei onde procurar quando for necessária mais informação.

Ao ler o livro do Tolentino Mendonça, quando encontrei o nome Jacques Lacan, veio-me um sorriso à cara e, assim de repente, com uma clareza simples, tudo fez mais sentido. 

...

Florença, 2018, Piazzale Michelangelo
Será que temos de entender na plenitude, hoje, a narrativa da Paixão da semana santa? 
Não, não temos.
Mas se a vivermos com o máximo de intensidade, um dia, também ela terá um sentido cristalino.

terça-feira, maio 21, 2019

Workshop no Porto


No próximo dia 8 de junho irei orientar dois workshops no Porto, um de manhã e outro à tarde.
O Porto é lindo, está com uma dinâmica incrível e tive a honra de ser convidado para esta formação, integrada em dois ciclos culturais. Aqui fica o programa completo do dia:

10h30: ponto de encontro na Rotunda da Boavista
Exercício 1: aprender a desenhar uma árvore.
Exercício 2: aprender a desenhar um conjunto de árvores.

13h00: almoço

15h00: ponto de encontro à entrada do Cemitério de Agramonte
Exercício 3: como conciliar a arquitetura com a escultura
16h30: partilha final e feedback

O programa completo sobre o Ciclo Cultural dos Cemitérios do Porto pode ser visto aqui.

As inscrições são gratuitas e online através deste link.

domingo, maio 19, 2019

Florence: Santa Maria del Fiori


Ando a estudar hebraico.
Não que o doutoramento o exigisse, mas uma conjugação de fatores fez com que tomasse esta decisão. 
É difícil. Preciso praticar muito...

O ano passado, quando desenhei a Duomo de Florença, encontrava-me entre exercícios do retiro de diários gráficos, a caminho do almoço. Havia ainda tempo e fiz este desenho rápido. Havia tempo, mas não demasiado, pelo que alguma coisa teria de ser simplificada. Neste caso foi o batistério.

É assim mesmo: temos tempo, mas nunca o suficiente e há que encontrar uma solução de compromisso. Dedicarmo-nos ao que vale a pena e deixar apenas sugestões do que poderia vir a ser se existisse mais tempo.

Ainda não sei o que vai acontecer quanto ao hebraico. Já sei ler, claro, desde que tenha as vogais, pois só com as consoantes é todo um outro mundo.
Veremos se o hebraico ganhará em mim espaço para crescer. Para já, sou eu que lhe estou a dedicar tempo...

sábado, maio 18, 2019

Florence: tentações


Escrevi um texto sobre este exercício aqui.

Fiz também outro desenho com o mesmo enunciado.
Estes desenhos em cadernos ganham uma outra dinâmica quando os enunciados alargam o nosso entendimento...

domingo, dezembro 16, 2018

Conferência: O Espiritual no Desenho - Os escrúpulos e o lava-pés


Uma das tarefas que pedem aos doutorandos, tal como aos académicos, é que estruturem a sua investigação em artigos e os comuniquem publicamente para que o conhecimento saia do seu pensamento e possa estender o dos outros.

O facto de ter um tópico de investigação que toca o mundo das Belas-Artes e o da Teologia, fez com que me debruçasse seriamente sobre os dois. Por isso, inscrevi-me das duas Faculdades, para entrar mais a fundo nos dois temas. E tem sido uma aventura incrível...

Enquanto nas Belas-Artes a investigação se faz de modo autónomo, na Teologia, estou mesmo a ter aulas com alguns dos melhores professores sobre os temas bíblicos e sinto-me a abrir horizontes e a aprofundar assuntos que sempre conheci, mas agora de um modo muito mais completo.


Entretanto, as Belas-Artes organizaram um Congresso sobre Desenho chamado Expressão Múltipla. Submeti este tema e foi aceite!

A minha comunicação será quarta feira, dia 19 de dezembro, às 17h40.
Irei falar e mostrar desenhos sobre:
- os escrúpulos
- a viagem
- o lava-pés
- o desenho do quotidiano

segunda-feira, dezembro 03, 2018

Indonesia: Ambon


Acordei bem cedo nesta primeira noite em Ambon, pelas 5h da manhã. Na noite anterior, tinha combinado com o Donald Saluling ir desenhar o mercado de peixe. Estava pronto às 5h30. Desci as escadas e fui para a recepção do hotel. Só ali é que se apanhava wifi. Enviei um sms ao Donald, mas a seta do whatsapp indicou apenas mensagem entregue. Esperei, mas nada mudou. Enviei nova mensagem a dizer que ia à procura de algo para desenhar nas redondezas. Andei, andei, andei...

A cidade estava deserta. Passavam apenas alguns carros.
Sentei-me neste cruzamento e continuei a experimentar a caneta hero, aquela que permite linhas grossas e finas. Nada contente como resultado, enviei novo sms ao Donald, desta vez a usar dados móveis do cartão indonésio que comprei em Jakarta. Eram umas 6h15 e a seta do whatsapp já dava sinal de mensagem lida. Cinco minutos depois, estava a sair deste lugar par ir ao mercado. Ficou assim mesmo, muito branco, muito inacabado, uma desgraça...
Não tinha ainda o texto nem aquela cama de rede com a criança a dormir. Acrescentei-os nesse dia à tarde...



A urgência de ir ao mercado de peixe tão cedo prendia-se com duas razões: a) o mercado tem uma beleza especial quando os pescadores estão a chegar de barco; b) às 8h30 saíamos de carro para ir desenhar outra zona da ilha, pelo que havia pouco tempo de manhã.

Quando chegámos, no interior, o caos estava instalado. Quase não havia espaço e a metáfora certa é que se tinha de andar em bicos de pés...
Só havia uma opção: desenhar do lado de fora. Fomos andando até chegarmos às traseiras do mercado, precisamente o local onde os pescadores estavam ainda a descarregar o peixe. 
Abrimos os cadernos e logo todas as possibilidades se abriram para nós:
- Quem um banco? Do que precisam? Temos chá, querem?
Olhei para o Donald e sorrimos ao mesmo tempo. Mais uma vez o poder do desenho a manifestar-se...

Depois... depois foi o que todos os desenhadores viajantes sabem. A experiência de desenhar com meia multidão a espreitar pelo ombro, comentários, risos, conversas em línguas diferentes, qual Babel e, no fim, uma correria para chegar a horas ao autocarro que nos levaria para o outro lado da ilha...

sexta-feira, novembro 30, 2018

Indonesia: Ambon


A meio de outubro deste ano estive na Indonésia. Fui convidado para desenhar e dar formação numas ilhas remotas chamadas Banda. Nunca tinha ouvido falar. Fui pesquisar e descobri que deveria saber desde sempre que ilhas são estas. As ilhas da noz moscada que os portugueses encontraram por via do mar.
Mas sobre as ilhas Banda terei tempo de falar...

Aterrei em Jakarta e fui direto para o quarto. O voo para Ambon era logo na manhã seguinte.
Era o segundo dia na Indonésia - estava há mais de 30 horas em movimento desde que saíra de Lisboa e, depois de um jantar incrível que me lembrou muito Timor-Leste, só à noite houve tempo para desenhar. 
Este caderno gigante estava a desafiar-me para pensar nas composições. Desenhei o pouco que se via deste parque muito frequentado para horas tão avançadas da noite. Não se via quase nada, apenas algumas luzes iluminavam telhados, colunas, arvoredo...
Ficou assim. Uma pequena franja horizontal a caneta preta, à espera que no dia seguinte algo mais acontecesse na página.

A grande árvore, feita a aguarela e aparo, estava mesmo à entrada do forte Amesterdão, noutra zona da ilha Molucas (mais uma viagem de 2 horas de carro). Lentamente, linha a linha, fui deliciando-me a pensar na história que esta árvore já testemunhou. 
Claro que a escala está exagerada em relação à cidade. A árvore também não pertence àquele contexto urbano, mas, para mim, esta combinação improvável estimulava o imaginário e o pensamento. Estou a ser fiel ao que desenho à minha frente, mas coloco-o no caderno descontextualizado...

Arranca assim a minha crónica sobre a viagem à Indonésia. 
Cada página é uma mistura de ambientes diferentes.
Não será uma cronologia perfeita, tal como a nossa.
O que é a perfeição?