Desenho o olhar da Maria Carolina e interrogo-me logo como é que foram as duas ali parar a este ensaio para o concerto depois da vigília das Jornadas Mundiais da Juventude. Ambas completaram o curso de violino, mas decidiram seguir outra carreira profissional. Uma estuda Gestão e a outra Matemática. Eventualmente poderão tocar na Orquestra Académica, pois é mais fácil de conciliar com os estudos.
De imediato pergunto como foi feita a seleção das pessoas que vão tocar e cantar. Olham as duas para o Duarte Rosado, padre jesuíta que ficou responsável pela escolha das músicas, aliás, a música é uma das suas áreas profissionais. Lançou este álbum de originais em 2022 com textos do profeta Isaías. Explica que perguntou entre os que frequentam o CUPAV quem gostaria e teria disponibilidade para ensaiar, tocar e cantar nas JMJ e rapidamente este grupo se juntou.
A sua voz tem um timbre delicado e grave, mas o que se destaca é a originalidade das melodias, pouco habituais quando comparadas com as que se ouvem neste contexto.
Agarra a guitarra com as mãos e toca com uma perna esticada e pousada numa cadeira. Recupera de operação cirúrgica ao joelho. Não sendo a posição mais ortodoxa, não é isso que o impede de ter um desempenho musical inabalável.
Entretanto chegam os cantores. Primeiro as sopranos, que entram de rompante no salão ainda a cantarolar as melodias que tinham acabado de ensaiar e com uma alegria contagiante - há realmente qualquer coisa de especial na música que transforma os músicos e também, inevitavelmente, quem os ouve - e com tal energia que é impossível desenhá-los enquanto não se organizam para cantar acompanhados pelos instrumentistas.
Pese embora a presença de dois violinos e uma guitarra, o ensaio começa à capela, cantando com melodias novas, um texto com mais de 7 mil anos de história:
Pois eu gravei, a Tua imagem na palma das minhas mãos,
As tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos.
No tempo certo te respondi,
Quando chegou o dia da salvação,
Vinha em tua ajuda.
Guardar-te para uma aliança,
Para dizer aos prisioneiros ‘saiam’,
E aos que vivem na escuridão: ‘venham p’ra luz’.
O ensaio vai longo, já passa da meia noite, as vozes estão cansadas, os dedos que pisam as cordas dos violinos estão calejados e percebe-se que há ainda muito trabalho a fazer, mas antes de terminar a última música ainda há tempo para uma última expressão do João Goulão que me fica na memória: “força cordas!”
É isto que se espera de quem lidera. No momento da reta final, quando já todos se arrastam, há uma energia extra que só está ao alcance de quem vê mais longe e profundamente o potencial de cada pessoa, neste caso, de cada músico. E, com isto, o olhar da Maria Carolina, a violinista que está a tocar há mais de duas horas, ganha um foco de atenção redobrado e o ensaio termina como se estivesse para começar. Ninguém quer arredar pé e, mesmo depois de dispensados, todos continuam por ali a afinar detalhes, pequenas notas, palavras, modos de cantar…