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quarta-feira, setembro 13, 2017

Florence: Piazza della Signoria


Último desenho de Florença, mas não foi a última página do caderno. A última coisa que fazemos nunca é o fim. Os Médici governaram Florença durante séculos, mas o legado ficou.

Há mistérios que teimam em permanecer. O brasão da família Médici é um deles. Há muitas teorias, mas as mais oficiais dizem que continua a ser um mistério por desvendar.

Estou a escrever as conclusões do meu mestrado, mas de certeza que isto não ficará por aqui. 
Já percebi que não conseguimos antecipar o alcance de tudo o que fazemos. Resta-nos dar o melhor possível, trabalhar para ficarmos orgulhosos no presente, ainda que, por vezes, orgulho seja a capacidade de assinalar os erros, o que ficou como não se queria, mas que só vemos tarde demais. 
Em vez de ocultar, revelar. 

No meu desenho, o Palácio Vecchio ficou estreito, pois foi...
Mas o polícia em primeiro plano ficou bem.
E as cores de Florença são mesmo estas.
E uma página com texto lembra-me que o caderno é um diário e não apenas um caderno com desenhos.

Quando terminar as conclusões do mestrado vou encontrar pequenas falhas nos outros capítulos, pois vou...
Quando receber as correções do orientador vou achar que vai ficar tudo mesmo bem.
Quando imprimir e entregar as cópias vou encontrar, de certeza, falhas que nos escaparam aos dois, é garantido.
Mas como a última coisa que fazemos nunca é o fim, ainda bem que encontramos falhas. Elas são o ponto de partida para o próximo projeto!

sábado, setembro 09, 2017

Florence: O rapto das Sabinas


No meu primeiro post sobre Florença, falei do Giambologna. 
Agora, quase a terminar os posts, volto a ele.

Na Loggia della Signoria, podemos perder um dia inteiro a desenhar. Aos olhos dos turistas, iria parecer um desperdício de tempo. Aos dos Médici, de certeza que a valorização de todo um investimento na Arte durante séculos.

Esta escultura de Giambologna é esmagadora. Tão esmagadora que fiquei muito desiludido com o meu desenho. Só agora, passados 5 meses é que olho para ele e não tenho vontade de o deitar fora...

Feita a partir de um bloco de mármore branco imperfeito, o maior alguma vez transportado para Florença, tal como tinha acontecido com o utilizado por Miguel Ângelo 80 anos antes para esculpir o David, Giambologna idealiza a primeira escultura para ser vista de todos os ângulos sem um ponto de vista dominante. A dinâmica é incrível, há um sentido em espiral desde o homem mais agachado, passando pelo que, em pé, agarra a mulher Sabina. Tudo isto com uma tamanha força que influenciou todo o movimento artístico seguinte: o Barroco.

Mas o que é o rapto das Sabinas?
É um episódio/lenda da história de Roma. Conta que a primeira geração de homens romanos conseguiu esposas através do rapto das filhas das tribos vizinhas: as Sabinas.

...

Há uns dias uma amiga perguntava-me, a propósito dos meus desenhos feitos no Porto, mais ou menos assim: "Como te sentes ao ver tantos desenhos de outras pessoas que parecem ter influência tua?"
Respondi-lhe: 
- A influência vem de Foz Côa. Eu sou apenas mais um a experimentar!

Quanto mais viajo, mais conta me dou que o rapto das Sabinas é constante. Olhamos para o lado e "raptamos" o que nos encanta porque acreditamos que seremos mais felizes assim. Ao fazê-lo em Desenho, na verdade nunca copiamos. A cópia nunca é aquele original, é outro original. Criamos portanto, as condições para que algo novo aconteça. 
Haja cabeça para ver isso...

segunda-feira, agosto 21, 2017

Florence: Galleria dell'Accademia




Há pouco a dizer sobre Michelangelo Buonarroti. 
Entrar na Galleria dell'Accademia e ver um conjunto de obras inacabadas, onde os corpos escultóricos estão a tentar libertar-se da rocha, de forma intencional por Miguel Ângelo, é um momento forte até se encontrar, ao fundo, o David. Ao olhá-lo nos olhos, só me lembro de uma frase do Roland Barthes, no livro A Câmara Clara, na análise a uma fotografia do irmão de Napoleão Bonaparte: 
- Vejo os olhos que viram o imperador.

E a mim apetece-me dizer: vejo um olhos de pedra que viram os de Miguel Ângelo. Aquele olhar que continua a dividir críticos de arte sobre se foi antes ou depois de atirar a pedra ao Golias.
É nesse corredor que estão três prisioneiros e um São Mateus, os tais que se tentam libertar da rocha.
A beleza desses corpos é ofuscada pelo David.
A beleza desses corpos não consegue competir com o David.
Por isso, os críticos de arte criaram a noção de sublime, o que está para além do belo e que o ofusca.

Estas quatro esculturas são incrivelmente belas, mas isso não chega quando se está ao lado do David.
Ao lado de outras, seriam elas em destaque. Ali, são apenas um entretém rápido até chegar onde o olhar nos guia. Há que encontrar o seu devido lugar, porque nada consegue brilhar perto de David.

Será assim também connosco?
Será por isso que o Neymar trocou o Barcelona pelo Paris Saint-Germain?

quarta-feira, agosto 16, 2017

Florence: street views

Hoje o Matias faz 3 anos.
Passou rápido, como diz o povo.
Mas cada rapidez passada teve o seu devido tempo.


Em Florença, é fácil encontrar ruas a emoldurar a cúpula do Brunelleschi, na Duomo. Ela está sempre ali à espreita, por entre o casario medieval. Nós encantamo-nos primeiro mas depois vamos dando as vistas como algo adquirido, sem novidade...
Será esta a principal a diferença entre celebrar a vida de uma pessoa e a de uma cidade. Nunca nada é adquirido!


Sentámo-nos os dois por entre o bosque, mesmo por baixo do fantástico miradouro da Piazzale Michelangelo. O Matias escolhia os lápis e eu desenhada o que se via. Conjugou-se o azul claro com o escuro, o verde escuro com o claro, e a mesma relação entre os castanhos.
Ao acompanhar o crescimento, nem sempre tudo é claro, seguimos muitas vezes o instinto, andamos às apalpadelas a descobrir o melhor caminho. Mas também não é tudo escuro, há evidências óbvias da personalidade, gostos, interesses.
Mas o que este desenho me faz lembrar é que as zonas cinzentas são uma chatice!


Na Via dei Servi, na segunda feira depois da Páscoa, já depois de almoçar, houve tempo para trazer de novo a cúpula para o caderno.
Do lado direito, este desenho ia sendo feito aos pouquinhos, enquanto esperava pelo autocarro. Por vezes tinha 2 minutos, noutras 20 segundos. Ficou assim, incompleto, à espera de lá voltar.

Penso que o sentimento que tenho quando estou à espera é semelhante ao acompanhamento do crescimento do Matias. 
Se ficar só à espera, é uma seca.
Se me envolver e dedicar, a espera não chega sequer a existir. 
Não há cinzentos. Só claros e escuros, dúvidas e certezas!

segunda-feira, agosto 14, 2017

Florence: Ponte Vecchio



Uma ponte é uma das obras mais geniais da humanidade. 
Perante um obstáculo difícil de ultrapassar, fazemos pontes. 
Não lutamos contra as correntes do rio. Nem sequer precisamos ensopar-nos. Passamos por cima!

Mas há quem não goste de fazer pontes. Prefere ir pelo caminho mais difícil e provar que sozinho tem mais força que a corrente do rio.

A ponte é característica de excelência do diplomata. 
Se há um rio a dividir-nos, um rio que leva os argumentos com a mesma força que leva a água, a ponte é o sinal de inteligência que encontra os melhores pontos comuns entre um lado e outro para nos entendermos.

Embora tudo isto seja evidente, a verdade é que quando olho para esta Ponte Vecchio em Florença e a vejo cheia de pequenas construções e casinhas de comércio, dou-me conta que ela tem ainda mais significado do que imaginava. Tem sobre ela aquilo que nos caracteriza de um lado e do outro: algo que construímos para nos abrigarmos. Esta ponte deixa assente que só podem existir pontes pelo que nos une e nunca pelo que divide.

Engraçado como o desenho também serve de ponte. Coloca-nos a falar com desconhecidos. Levanta a curiosidade de crianças e adultos. Estabelece um contacto inesperado e fácil onde parecia existir um oceano a separar-nos. O caderno como ponte poderia ser um bom tema de dissertação...

sexta-feira, agosto 11, 2017

Florence: Dante Alighieri


15 de abril de 2017, Florença, Piazza di Santa Croce 

O Matias dormia no carrinho.
Sentei-me na beira de um pequeno degrau, mesmo à entrada de uma casa.
O Dante Alighieri, figura central da literatura italiana, estava ali em primeiro plano. 

Numa altura em que só os escritos em Latim eram valorizados, Dante escreve a 'Divina Comédia' e faz o arranque definitivo do dialeto toscano como língua italiana que, só mais tarde, viria a ser oficializada com a unificação de Itália no séc. XIX. 
Mas o mais incrível é que os dialetos das regiões italianas continuaram sempre muito mais fortes do que a língua oficial e só em meados do séc. XX, com a massificação da escola e da televisão é que o italiano se torna a língua mais falada. No entanto, viajando por Itália, ainda é fácil encontrar os dialetos das regiões do norte e do sul. O dialeto do centro, o da Toscânia, esse, tornou-se o italiano como o conhecemos!

Atrás do Dante, no meu desenho, está a Basilica di Santa Croce, o principal templo religioso Franciscano em Florença. A fachada é embelezada por pedra mármore, embora não seja de origem, pois ficou inacabada desde o séc. XIII e só no séc. XIX foi concluída. De resto, é como todos os templos medievais.
De uma simplicidade no interior que nos petrifica quando vemos um raio de luz a entrar por um vitral...


Engraçado como Dante pegou num dialeto vindo do Latim dos soldados romanos, aquele que não era de boa qualidade - ao nível das pessoas cultas -, para o levar à língua unificadora do país a partir de um poema escrito enquanto estava no cativeiro, sozinho, impedido de voltar à sua cidade.
Também é muito interessante como estes templos nos atraem pela sua imponência, mas depois nos encaminham para um percurso interno e sozinho que possa descobrir pequenos sinais como a luz filtrada pelo vitral...

Será que a sabedoria vem de estarmos sozinhos e nos darmos conta das coisas mais simples do dia a dia?


Depois o Matias acordou. 
A Ketta levou-o, cativado pelas bolinhas de sabão que sopraram até terminar o boião. 
Brincaram na praça e cativaram outras crianças, de outros pais, de outros países.
Ouviam-se os risos alegres ao fundo. 
Ouvia-se o burburinho das ruas.
Ouvia-se uma só língua...

domingo, julho 23, 2017

Florence: Loggia della Signoria


Quando se chega à Loggia della Signoria, o coração de Florença, as esculturas majestosas são tantas que se fica embasbacado. 
Durante séculos, o David do Michelangelo esteve ali ao sol e à chuva. Agora está apenas uma cópia, mas não deixa de ter um impacto incrível.

Contudo, a mim, chamou-me logo a atenção este Perseus com a cabeça cortada da Medusa. Olhando de longe, pensei de imediato: "Só pode ser do Donatello. Escultura densa, escura, bem ao estilo dele."

Mas estava errado. Este Perseus fantástico - para mim, a obra que se destaca mais na Loggia della Signoria - é do Benvenuto Cellini, um dos grandes nomes do Maneirismo.

É sempre assim, quando pensamos que já sabemos algo, levamos com uma lição que nos diz que sabemos muito pouco.
Neste espaço, as obras atravessam séculos de história. Vai-se do Império Romano ao Rocaille. É muito impressionante como um pequeno espaço público pode ter tantas obras de arte originais ali, assim, à espera de serem vistas.

Florença é qualquer coisa...

sábado, julho 22, 2017

Retiro de diários gráficos: Florença, 2018



Ir à cidade berço do Renascimento, onde todos os grandes artistas dos séc. XIV, XV e XVI queriam ir, para fazer um retiro de diários gráficos, pode assemelhar-se ao que David sentiu perante o Golias: um ímpeto confiante que nos move para a frente, mesmo sem medir bem as consequências!

Será muito intenso e desafiador, mas não podia ser de outro modo.
Vou propor novidades nunca antes experimentadas. Preparem-se!

Duas datas à escolha: 
29 de março a 2 de abril de 2018 (para viver as tradições medievais da Páscoa florentina).
ou
4 a 8 de abril de 2018 (com um programa ligeiramente diferente do primeiro)

Os quartos partilhados são triplos.

Entusiasmados?
Inscrevam-se para: linhares.mr@gmail.com



Para saber mais sobre os retiros de diários gráficos: aqui, aqui, aqui e aqui.

domingo, julho 16, 2017

Florence: Fiesole


Fiesole fica na direção oposta do centro de Florença. 
A vista é de horizontes largos, depois de tanto subir.
A catedral, com origens no início do séc. XI, é de uma beleza incrível, com uma luz muito controlada em contraste com zonas de escuridão plena.

Era sexta feira santa. 
Jesus era sepultado num túmulo escuro.
No dia seguinte, os horizontes espirituais da humanidade nunca mais seriam os mesmos...

quinta-feira, julho 13, 2017

Florence: Duomo


Tenho-me sentido esmagado por várias coisas, ultimamente. 
Burocracia.
Pessoas talentosas.
Cidades maravilhosas.
Arquitectura. Design. Desenho. Filmes.
Pensadores.

Sinto que tudo o que me rodeia é incrível. Cada esquina ou detalhe, até aqueles que ninguém repara. Parece que estamos a atingir um ponto de qualidade tal que não deixa antecipar o que aí vem...

Mas cada vez me sinto mais esmagado pela história da humanidade. O nosso passado. As raízes...
Estar num lugar destes com mais de 500 anos e sentir que já foi pisado e observado por gerações atrás de gerações coloca-me no devido lugar. Remete-me para a minha pequenez e dá-me uma lição de humildade...

Sentei-me e pus-me a desenhar.
Qual David perante Golias.
Qual formiga perante o elefante.
Qual desconhecido perante a cúpula do Brunelleschi.

E levei um murro no estômago. E fui ao tapete...

segunda-feira, julho 10, 2017

Florence: La Specola


O Museu de História Natural de Florença era uma das prioridades na nossa estadia na cidade.
Criado em 1775, foi um dos primeiros do género a abrir na Europa. 
Sabíamos que não estaria muito cheio, pois a massa de turistas dirige-se a 3 centros incontornáveis: Duomo, Uffizi e Accademia. 

É engraçado como na escola, a ciência e os estudos da biologia e geologia ganham tanto protagonismo sobre todas as outras disciplinas. Depois, numa cidade como Florença (e em tantas outras), o museu de história natural está deserto quando comparado com os de Arte.

A minha opção, enquanto desenhava, era escolher alguns dos animais mais estranhos e raros, um por sala. No final, já com o Matias a dormir, sentei-me no chão e desenhei os armários ao fundo.
Deu corpo ao todo. 
Somos assim, precisamos de prateleiras para arrumar assuntos.
Às vezes teimamos em deixá-los lá arrumados, mesmo quando é urgente tirar tudo cá para fora!

sábado, julho 01, 2017

Florence: Palazzo Vecchio



Filas e filas de pessoas esperam a sua vez para entrar nas Galerias Uffizi. 
A observar essa multidão de gente a querer ver arte em abundância, sobretudo da Idade Média e do Renascimento, estão estas esculturas de homenagem aos grandes mestres que trabalharam em Florença. Que loucura deve ter sido viver nessa época. 
Mas pergunto-me, não é também uma agitação viver nesta? 
A História da Humanidade esmaga-me...


A minha querida professora de História da Arte da FBAUL, Maria João Ortigão, disse uma vez na aula algo que nunca mais me esqueci:
No Renascimento, Florença era uma das cidades mais perigosas da Europa. Haviam muitos crimes na rua. Os Médici construíram passagens secretas para correrem menos riscos de vida. E onde estavam os maiores artistas da época (e mais tarde, do mundo)? Ali mesmo! O risco é o que nos dá um lugar na História.

E depois foi mais longe:
O que nos deixou Florença com todo o seu perigo? O Renascimento e um berço de artistas que revolucionaram a Arte
O que nos deixou a Suíça com a sua posição sempre isenta? Chocolates e canivetes.

Não tenho nada contra a Suíça, como é óbvio, mas acho a comparação muito conseguida!
Neste desenho do Palazzo Vecchio, revivi as suas palavras sobre uma Florença cheia de arte nas ruas, onde a cidade museu se impunha com orgulho.

Tenho saudades das aulas dela.
Tenho também saudades de estudar e de aprender com os grandes professores.

quarta-feira, junho 28, 2017

Florence: Piazza della S.S. Annunziata


O desejo de ir a Florença era muito antigo, mas desde há muito que não sabia quando seria essa viagem.
Este ano, quase por milagre, conseguimos tratar da logística necessária para, depois do retiro em Assis, irmos descansar para Florença.

Esta praça é uma das mais bonitas da cidade. Estudada por todos os amantes da arquitectura. Os motivos de interesse são tantos que me foquei na escultura equestre do mestre Giambologna (João de Bologna, embora nascido na Flandres), um dos maiores representantes do Maneirismo.

O Matias estava na cadeirinha.
Tirámos o caderno dele e os lápis.
Durante 20 minutos desenhámos os três.
Depois, quando eu já tinha o desenho da escultura do Medici Fernando I feito, fui passear com o Matias, enquanto a Ketta terminava o dela.
Depois, trocámos de papel e dediquei-me ao casario com a cúpula da Duomo ao fundo.
Desenho feito a dois tempos e em pé.

Começa assim a minha viagem por Florença: a dois tempos. Vivo este agora, em frente ao computador dois meses depois, mas revivo cada desenho feito lá com mais sumo. Como que com uma visão do cimo do cavalo, lá de cima, mais arejada e a um ritmo que não é humano, mas animalesco, seja a galope, trote ou outro.

Mas acho que desenhar em Florença me deixa a galope...