domingo, junho 11, 2017

Assis: a regra franciscana


Criamos regras para nos organizarmos, mas há sempre quem prefira furá-las.
A regra franciscana é fortíssima. Têm o voto de pobreza mais radical.

Neste exercício, tentámos compreender como as regras são difíceis de cumprir, mesmo quando são claras. 
O trabalho do arquitecto Alejandro Aravena serviu também de inspiração.
Cada um devia começar com uma mancha de cor e uma área especifica ocupada. Os outros deviam seguir a regra. Eu fiz aquele laranja em cima do lado esquerdo. A quarta pessoa a reproduzir a regra, quebrou-a.
Depois, o desafio era (como é sempre), tentar unir os cacos.

É assim a nossa sociedade: tenta, tenta e tenta, mas nós somos mesmo únicos e irrepetíveis. 
A regra ajuda-nos também a entender isso.

quinta-feira, junho 08, 2017

Assis: casa franciscana


Da casa das irmãs franciscanas onde dormíamos, todas as vistas eram bonitas. Esta, da varanda da cozinha, foi-nos oferecida por elas, depois de verem os nossos cadernos. 

Claro que o desenho não mostra a beleza do lugar, claro que não, mas isso não interessa nada. É como os actos. Nem sempre mostram a beleza da sua motivação.


Mas se da varanda se via a paisagem e outras varandas do casario que mostram a vida quotidiana de quem lá vive, no rés do chão, havia a capela mais antiga de Assis: a Chiesetta San Giacomo de Muro Rupto, datada de 1088. 
Uma nave central com um transepto que mostra a antiga muralha da cidade (do lado esquerdo) e a capela das irmãs, do lado direito. A luz que entrava pelo vitral do altar mor era tão intensa que até doía.

Mais uma vez o desenho ficou aquém.
Ficamos sempre aquém, mesmo quando nos aproximamos muito.
Esse toque desejável leva-nos sempre a avançar, e é quando se avança que se percebe que se estava ainda com caminho por fazer...

domingo, junho 04, 2017

Assis: Chiesa Nuova


Hoje é dia de Pentecostes, mas publico um desenho do domingo de Ramos, o que antecede a semana santa e culmina com a condenação à morte e crucifixação de Jesus.

Esta Chiesa Nuova de Assis foi construída sobre a casa dos pais de São Francisco. Foi algures daqui que Francisco começou a atirar os panos valiosos do pai pela janela, oferecendo-os aos pobres. Depois disso, o pai tomou-o como louco e prendeu-o num pequeno cúbiculo dentro de casa. A mãe, com pena do filho (quem não teria?), soltou-o numa das viagens do pai a França para comprar mais tecidos.

Não vou agora debruçar-me sobre o exercício criado no retiro para esta manhã, mas o desafio era como mostrar a simplicidade de algo complexo. Temos tendência para complicar tudo, até as coisas simples, mas há pessoas que conseguem o oposto: simplificar até o mais difícil de entender.

sexta-feira, junho 02, 2017

Assis: Basílica de S. Francisco


Não sei se é do final do ano letivo e se ando demasiado cansado, mas cada vez me questiono mais sobre a impossibilidade de partilhar conhecimento com quem não o quer receber. Parece-me que este sistema de querer ensinar coisas a quem não as quer aprender está em falência...

Dou-me conta que a verdadeira passagem de conhecimento é informal. Mesmo numa aula séria, é a informalidade da curiosidade genuina de alunos e professores que permite que se aprenda.

Enquanto desenhava a Basílica inferior de São Francisco, pensava nas corporativas artísticas medievais e no modo como os aprendizes se juntavam aos mestres logo a partir de muito cedo, 10 ou 11 anos. Seria difícil ensinar-lhes naquele tempo?


Desci à cripta de São Francisco. 
Deambulei. 
Li tudo o que havia para ler.
Deixei-me impressionar pela esmagadora presença daquele túmulo de pedra.
Sentei-me sem fazer nada.
Depois tirei o caderno e comecei a desenhar.
Usei umas aguarelas novas que tinha partilhado com toda a gente. 
Fiquei com estas cores vermelhas. 
Quando se partilha assume-se isso mesmo e fica-se com o que sobra. 
Se é que sobra alguma coisa quando se partilha...


Pois ser professor é isto mesmo: ficar uma manta de retalhos sem nunca perder o conjunto.
Muito impressionante o hábito de S. Francisco. 
Ele foi um excelente professor porque deu o exemplo de como viver.
Foi bem radical, mas isto não vai lá com falinhas mansas. Há que acreditar no que se diz, e transformar isso em ações.


Anda turva a minha visão sobre a vida de professor.
Quanto mais me esforço, mais sinto que estou longe daquilo que deveria ser.
Dou o meu melhor. E mesmo assim nunca chega...

Abençoado fresco do Giotto, que me ajuda a entender que, às vezes, só um pequeno gesto pode aproximar dois mundos que teimam mostrar-se separados.

segunda-feira, maio 15, 2017

Assis: San Damiano

«Olha, filho, a mim também me parece duro em demasia o vosso viver sem nada possuir”» 
- Desabafou o bispo Guido a S. Francisco de Assis.


Saímos apenas de caderno na mão.
O objectivo era mendigar uma caneta, lápis ou outro material qualquer.
Pedir, mendigar, assumir que algo nos falta...
A referência era fortíssima: S. Francisco chamava a si a tarefa de mendigar comida. Quando ninguém lha dava dizia: "Terei o privilégio de jejuar".

"Que loucura!" - pensava eu enquanto lia a biografia dele. Como pode isto influenciar a preparação de exercícios de desenho?

Pedir custa. Assumimos todos isso. Queremo-nos fortes, sem medo de nada ou ninguém...
Colocarmos-nos numa situação de incerteza e fragilidade é algo que não vemos como valioso.
Confiar em alguém desconhecido nos pode ajudar é impensável nos nossos tempos.


A alegria que se gerou porque alguém nos deu uma caneta esferográfica foi surpreendente. 
Experimentar um sentimento de satisfação depois de um de despojamento foi, talvez, um dos pontos altos do retiro em Assis...


Caminhei até San Damiano, a famosa capela onde S. Francisco percebeu qual a sua missão e onde Santa Clara viveu depois até morrer.
Caminhei até lá sem mochila e material para desenhar, só com o caderno.
Quando lá cheguei, já todos tinham materiais para desenhar e estavam eufóricos.
Aproximei-me de um irmão franciscano e pedi-lhe uma caneta. Ele, atrapalhado, pediu-me para esperar e foi "lá dentro". Apareceu depois com uma daquelas esferográficas patrocinadas por uma empresa qualquer. Agradeci e disse-lhe que a devolvia no final.
Experimentei a caneta.
Falhava constantemente.
Também eu falho constantemente. Mais vale que o desenho mostre isso mesmo...

Perdi-me nas horas dentro da capela e desenhei apenas o sacrário (1.º desenho).

Aproximei-me do altar-mor para desenhar os frescos, mas foi o sacrário que voltou a ter destaque (2.º desenho).

No dormitório onde Santa Clara de Assis morreu, uma janela com degraus encadeou-me. Assistiu a tudo, ao longo deste séculos. Aponta lá para fora, degrau a degrau...

Saí, devolvi a caneta, não desenhei mais nessa manhã e tive o privilégio de não poder acrescentar mais nada a estas três páginas...

domingo, maio 14, 2017

Assis: radicalidade


E se largarmos todos os materiais que temos, tal como S. Francisco, e experimentarmos a radicalidade dessa opção?
Havia uma barra de grafite que me tinha sido oferecida há uns anos e estava intocável. 
Parti-a às lascas e partilhei-a entre todos. 
Sujava as mãos quando se lhe pegava.
Não se conseguia agarrar em condições, sequer.

Dali partimos em grupo para desenhar o tempo romano de Minerva, hoje igreja de Santa Maria sobre Minerva.


A exploração continuava. 
Quando nos sujeitamos ao que o outro nos dá, os resultados são sempre um mistério. Raramente o que esperamos. Abrem-se novas possibilidades e o milagre de novos resultados aparecerem no caderno presta-se a acontecer...


Aos poucos, vamos integrando a surpresa da novidade. 
Espaço para o chão e para o céu. A matéria fica no meio.

Depois de o controlar, havia que dar o passo seguinte:
Serei capaz de o integrar com o que eu já sei fazer?

A inspiração vinha do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. 
Dificilmente as pessoas não tinham mesmo nada que comer. 
Dificilmente não ficaram sensibilizadas pela partilha inicial de Jesus e dos discípulos.
De certeza que tiraram também o farnel que tinha levado e integraram-no com as pequenas porções recebidas pelos discípulos.


Má integração a minha. Deixei o que me ofereceram para o fim...
Usei a caneta e a aguarela e depois queria colocar o grafite da lasca.
Engraçado como é muito esta a postura com a diferença na vida. Queremos os territórios seguros. Primeiro eu e depois logo se vê se há espaço para o outro...


Nova tentativa. 
Forcei-me a integrar.
Arcadas grosseiras com lascas de grafite. 
Claro-escuro. 
Sentido de liberdade.
Aguarela.
Confusão e caos.

Como é difícil integrar a novidade na nossa vida, sobretudo quando a novidade é como uma lasca de alguma coisa. Parte mal partida, sem lado bonito, sem modo de lhe pegar.

Tanto caminho pela frente...
Tanto para crescer...

quarta-feira, maio 10, 2017

Assis: o esplendor

Tenho andado a ganhar coragem para escrever sobre Assis.
Todos me diziam que era uma cidade especial e eu sempre acreditei.
Acreditar sem ver é difícil e, por isso, lá fomos para Assis na Páscoa para a viver.


Foi o retiro que mais preparação exigiu de mim. 
Nem tive tempo de convidar o P. Nuno Branco. Os quartos eram duplos e, quando dei por mim, já não haviam mais lugares e ainda faltava quase um ano. Senti-me órfão por momentos. Quase trabalhamos juntos de olhos fechados. Como é que agora já não havia lugar?!?

Li um livro antigo sobre S. Francisco, oferecido por um grande amigo dos tempos da António Arroio. Às vezes penso: "como é possível que me tenham oferecido um livro sobre a vida de S. Francisco de Assis, enquanto estudava na António Arroio?"

Li, li e li. Entrei, mergulhei mesmo, na vida de S. Francisco. 
Tudo o que tinha imaginado fazer como exercícios foi transformado ao longo de meses de leituras.

S. Francisco nasceu numa família rica, experimentou a exuberância. Foi um príncipe da juventude. O pai trocou-lhe o nome de João para Francisco em honra dos negócios de tecidos que comprava em França e vendia em Itália. "Francesco" em italiano significa "o francês".

O primeiro passo a dar era experimentar também esse esplendor da riqueza. Desenhar com a liberdade total de escolhas. Mostrar a nossa riqueza no desenho...


Quando pensamos que a nossa riqueza é uma, eis que as voltas nos são trocadas.
Queria muito ter desenhado uma vista de um miradouro sobre a Basílica de S. Francisco (talvez para fazer pandã com o primeiro desenho).
Apareceu este siciliano de passagem por Assis.
Meteu conversa e não parámos de falar.
Crescia em mim o sentimento de frustração pelo tempo a passar sem fazer o desenho esplendoroso que queria fazer, até que me dei conta que o esplendor estava ali a falar comigo. 
"Não são as pedras que são esplendorosas, são as pessoas" - pensei...

Senti-me humilde ao relembrar a pergunta de Filipe: "Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!"
Ele que estava ali com Jesus, não o conseguia ver...

Eu que estava ali com o siciliano, também não conseguia ver o esplendor.
Desenhei-o.
Respirei fundo e segui caminho.

domingo, abril 23, 2017

Roma: Piazza San Pietro


Hoje lê-se na missa a passagem do evangelho sobre Tomé. O tal que disse que só acreditava se visse e tocasse nas chagas. São muitas as pinturas que existem sobre ele e sobre o momento (quase seguinte) em que acredita.

Em Roma, na Praça de S. Pedro, em frente à Basílica e do lado esquerdo, está esta escultura de São Pedro. Do lado direito, uma outra de São Paulo. São Tomé está lá em cima, esculpido pelo Bernini. É o quarto a contar da esquerda.

Engraçado como para a história ficou (quase apenas) que São Tomé não estava em casa quando os outros estavam lá fechados e cheios de medo. Porque razão não tinha medo Tomé? Bom, dizem-nos os evangelhos que quando chegou a casa, os seus amigos estavam eufóricos por terem visto o Senhor. Tomé, que tinha estado fora, teve dúvidas. Na semana seguinte, Tomé já estava em casa e tudo se resolveu com a profissão de fé mais conhecida de todas: "meu Senhor e meu Deus".


O que me parece interessante notar é que Tomé arriscou sair de casa quando todos os outros ficaram lá dentro cheios de medo. Não sabemos bem porque saiu, mas que era arriscado, lá isso era.
Nesta praça de São Pedro, no Vaticano, São Pedro e São Paulo estão em destaque, no meio da praça, cá fora. Tomé está lá em cima, junto aos outros. A história tem destas coisas. O que não teve medo de sair à rua ficou na história como o que teve dúvidas.

Numa grande série que passou na televisão há uns tempos, perante esta fabulosa tela do Caravaggio, desenvolve-se esta conversa:
- He needed to touch Jesus wounds to be convinced.
- So, was he?
- Of course he was. We're all convinced sooner or later, Jack.


Esta é a cena completa. Saudades desta série maravilhosa...