Em 2003 participei na gravação de um cd de música em que os lucros revertiam integralmente para a construção de uma escola primária em Kudom - Guiné-Bissau, na região de Quinara.
A 10 de Agosto 2008, fui pela primeira na vida à aldeia que beneficiou deste projecto. Vi a escola concretizada e vi mais; vi uma nova escola a ser construída ao lado!
Mas o que mais me marcou nesse dia não foi a escola construída...
Estava a acontecer um casamento na aldeia. Duas meninas estavam dentro de casa tapadas por um véu e não podiam ser vistas por ninguém. O marido respectivo estava em Buba (a cidade mais próxima) a fazer uma formação complementar de professor. Até aqui nada de especial não é? Pois bem, este professor estava numa posição delicada, pois era filho do chefe da aldeia e tinha tomado uma decisão que ia contra a vontade do pai: só queria ter uma mulher.
Para o pai, um filho ter apenas uma mulher seria uma desgraça, pois não havia garantias que os filhos que essa mulher lhe dava pudessem sobreviver e assim a descendência da família ficaria comprometida.
Durante a formação do filho em Buba, o pai tratou do casamento do filho com mais duas mulheres (meninas, entenda-se), dessa forma, quando chegasse a Kudom, ele já não teria hipótese a não ser aceitar essas duas novas mulheres...
Não sei o que está bem e o que está mal. Apenas sei que a cultura tem um peso enorme sobre as nossas vidas. Não consigo criticar ninguém, pois também eu vivo embebido numa cultura que me limita e guia as acções... para o bem e para o mal...
Acho que vou dedicar um ciclo fotográfico a Kudom...
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In 2003 I participated in the recording of a cd whose profits would be used to construct a primary school in Kudom (Guinea-Bissau, in the region of Quinara).
On the 10 August 2008, I visited the village that beneficiated from this project for the first time. I saw the built school and more: I saw a new school being built next to the other one!
But what marked me the most on that day wasn’t the built school...
There was a wedding taking place in the village. Two girls were inside the house covered with a veil and could not be seen by anyone. The respective husband was in Buba (the nearest city) doing a complementary teacher formation. Up until this, not much of a big deal, right? Well, this teacher was in a delicate position, as he was the son of the chief of the village and had taken a decision that went against his father’s will: he wanted to have a single wife.
For the father, his son having only one wife would be a disgrace, for there were no guaranties that his children with that woman would survive and that way the family’s descendancy would be compromised.
During his son’s formation in Buba, the father took care of the wedding with another two women (girls, that is) so that, when he got to Kudom, his son would be forced to accept those two new wives…
I don’t know what’s right and what’s wrong. All I know is that the culture has a huge weight upon our lives. I cannot criticize anyone for I too, live in drenched in a culture that draws my limits and guides my actions… for better or for worse…
4 comentários:
Bem fiquei abismada com a cultura que prevalece nessa região, como é estranho para nós aceitar estas ideias.
No entanto, como bem diz a cultura representa um factor determinante naquilo que somos, pensamos e agimos.
Embora este tipo de ideia vá em oposição aquilo em que acreditamos, nao podemos criticar, dado que eles certamente terão uma ideia da nossa cultura semelhante.
Vivemos em função daquilo que nos é incutido e quando tentamos fugir deste padrão somos, muitas vezes, discrimados.
Na verdade, não podemos, de todo, fazer juízos de valor. Não existe nenhuma cultura que seja melhor que as restantes, nenhuma que possa servir de exemplo, embora muitas vezes nos esqueçamos disso. A cultura é tão relativa quanto os gostos, varia no lugar e no tempo. Não existem culturas boas ou más, apenas diferentes...
Aquilo que nos parece inconcebível pode ser uma coisa perfeitamente normal para outra pessoa. Mas é claro que nos é difícil ficar indiferente à diferença. Por vezes, não nos conseguimos impedir, a nós mesmos, de tentar mudar o que nos parece estar errado. Queremos sempre fazer com que os outros se assemelham a nós, achamos que somos um bom exemplo. Eu até acredito que ao tomarmos esta atitude não o fazemos por mal, somos um pouco inconscientes, ingénuos até e acabamos por ser muito egocêntricos.
E como a Cristiana bem disse, estamos submetidos à cultura e às regras da sociedade, sem quase termos a noção disso. Geralmente, agimos da forma como todos esperam que ajamos. Tentamos sempre corresponder às expectativas dos outros. Somos quase forçados a isso. Se fugirmos à regra, acabamos sancionados pela nossa própria sociedade. Daí que seja muito difícil romper com os princípios tradicionais.
Mas admiro quem o consegue fazer, quando a mudança é para (aquilo que pensamos ser) melhor. São precisas mais Safis e mais homens como o filho do tal chefe, que pensam por si, que não temem as consequências que aquilo em que acreditam pode trazer.
Acho que ninguém vai levar a mal se dedicar uma parte deste blogue a Kudom... Porque, no fundo, Empadas há muitas. Quem sabe não tenhamos, aqui também, um pouco de Empada...
eu acho que nós não devemos ter receio de dizer que algo está mal numa cultura quando isso implica violação de direitos, casamentos de crianças etc, etc
o politicamente correcto é uma coisa muito feia por vezes : como se certas as barbaridades fizessem parte da côr local ...
:-) sim, sou eu, cá estou a visitar-te ...
Olá Vera
Sim, tens razão: o politicamente correcto é algo muito feio de vez em quando, e é bem cultural nosso! Basta recordar a posição da ONU perante o genocídio no Ruanda (como bem referes no teu blog).
Em relação ao que escrevi neste post, acredito que a melhor forma de ajudar é melhorando as condições de saúde do país, para que a taxa de mortalidade infantil possa baixar. Dessa forma, a maior riqueza de uma família africana (a família) pode ser garantida sem que um homem tenha que ter várias mulheres, entre tantas outras coisas, por receio que uma única não tenha os filhos suficientes para garantir a linhagem da família...
Politicamente correcto é fechar os olhos a situações desumanas onde crianças morrem por falta de uma vacina.
Despirmo-nos um pouco dos nossos valores para querer conhecer uma cultura diferente e perceber os seus pormenores e motivações é tudo menos politicamente correcto!
Obrigado pela visita!
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