domingo, novembro 27, 2016
Foz Côa - parte 6
Jantámos na Pousada da Juventude.
Eram lulas estufadas, mas os alunos deixaram quase tudo no prato.
Dormi mal, mais uma vez - a penosa sensação de estar acordado a noite inteira...
No outro dia de manhã, os alunos estavam com olheiras - tinham dormido pouco, mas por opção...
Voltámos ao museu. A integração da arquitectura na paisagem assim o pedia.
Pedimos-lhes que tirassem os phones - o som da Natureza é que devia imperar.
A arquitectura é majestosa, mas muito bem integrada.
Fiquei rendido.
Usei apenas as canetas preta e cinzenta.
Os desenhos foram-se acumulando e interligando.
Estava frio, mas também sol.
Sentia-me uma formiga no Vale do Côa.
Encolhido do frio, mas com a força do desenho.
sexta-feira, novembro 25, 2016
Foz Côa - parte 5
Estava um frio de rachar em Marialva.
Tirei a minha manta polar azul da mochila.
Os alunos riram-se de mim.
Disse-lhes que tinham era inveja.
Tinta da china com aparo + lápis de cor.
Estava a ficar escuro e os focos de iluminação acenderam-se.
Enrolado na manta, entreti-me a colorir às escuras.
Que frio... não consigo continuar a desenhar. - diziam-me eles.
Trazer uma manta para um lugar frio não é sinal de velhice, mas de sabedoria. - respondi-lhes.
O final de tarde acabou comigo cheio de frio e alguns deles enrolados na minha manta. :)
O autocarro de regresso à Pousada tinha ar condicionado.
A manta, só a voltei a ver no dia seguinte de manhã...
quarta-feira, novembro 23, 2016
Foz Côa - parte 4
No segundo dia de trabalho deixámos o Vale do Côa e fomos fazer parte do circuito arqueológico de Freixo Numão. Acompanhou-nos um guia fabuloso, "filho da terra" e cheio de entusiasmo em partilhar o seu conhecimento.
- - meia hora de caminhada para lá - -
Nas ruínas do Prazo, que têm vestígios Neolíticos, mas sobretudo Romanos, a técnica a utilizar era a Sanguínea, que poderia ser conciliada com qualquer outro material. Eu optei por usar o lápis de grafite como complemento.
- - meia hora de caminhada para cá - -
A conversa com o guia para cá foi mesmo muito boa. Concluiu-a ele assim:
- Para mim o mais importante é o que estamos agora a conversar. O resto é tudo efémero...
Saímos das Ruínas do Prazo já perto da hora de almoço e fomos comer a um dos restaurantes mais recomendados da zona: o Sete&Meio, em Mêda. Quando telefonei para marcar mesa (uns meses antes), disseram-me:
- Então se querem um prato típico, só pode ser a posta dos pobres.
- Então é esse mesmo que queremos!
E confirmou-se. De pobre só mesmo o nome. Saímos do restaurante a rebolar e com vontade de uma sesta...
Havia, no entanto, uma nova vila para desenhar: Marialva. O desenho acima anuncia isso mesmo, mas o texto sobre ele fica para o próximo post.
segunda-feira, novembro 21, 2016
Foz Côa - parte 3
A primeira página de uma gramática dos símbolos a que chamamos Arte.
Sempre soube que Foz Côa era importante, mas ter estado lá fez-me ir muito além dessa informação.
Antes de Foz Côa, os arqueólogos acreditavam que as gravuras e pinturas rupestres aconteciam nas grutas e apenas raras vezes em céu aberto. Depois de Foz Côa (e porque as gravuras se preservaram debaixo de terra durante mais de 20.000 anos), percebeu-se que as gravuras e pinturas a céu aberto é que eram o comum e nas grutas a excepção. As margens dos rios do Vale do Côa deviam estar todas gravadas, mas muita coisa se perdeu. Aquela zona seria, imagine-se, o centro da Península Ibérica, onde os nossos antepassados iam fazer trocas comerciais, cruzar famílias, festejar e sabe-se lá mais o quê...
Mas o mais fascinante é perceber que as gravuras não eram feitas ao acaso. Existem rochas completamente saturadas de gravuras, quando, mesmo ao lado, estão rochas lisas sem uma única incisão durante todos estes milhares de anos. Sim, é arrepiante de ver. Havia uma intenção de as sobrepor. Também não eram rituais de caça, como durante muito tempo de imaginou. Descobriram-se sedimentos de ossos de coelho e de peixe entre despojos de acampamentos pré-históricos. Caçar estes animais de grande porte não era o dia a dia deles...
Qual a verdadeira razão?
Porque é Pré-História, não há conclusões fechadas, só interpretações...
domingo, novembro 20, 2016
Foz Côa - parte 2
Quinta feira de manhã, antes de entrarmos no museu, fomos ao terraço e ficámos deslumbrados com a vista panorâmica.
O João Moreno, desenhador de excelência com quem tenho o privilégio de dar aulas nas Doroteias, ensinou-nos a todos o modo como usa as aguarelas.
Estava um vento fresco, mas que não conseguia fazer frente ao Sol da manhã.
Os alunos espalharam-se e, por largos momentos, só se ouvia a Natureza.
Depois entrámos no museu para um visita guiada com um dos arqueólogos que participou nas escavações nos anos '90. Assombrosa visita. Não deu tempo para desenhar muito, apenas os animais mais representados em Foz Côa: cabra, auroque, cavalo e veado.
sexta-feira, novembro 18, 2016
Foz Côa - parte 1
O Departamento de Artes Visuais do Colégio de Santa Doroteia organiza, todos os anos, uma viagem de artes durante quatro dias. O objetivo é reforçar a relação entre os alunos todos do secundário de Artes (para que funcionem como um grupo e não como turmas separadas), mas também ganhar ritmo de desenho num local fora de Lisboa. Este ano fomos a Foz Côa!
Viagem de comboio até Campanhã e depois até ao fim da linha do Douro: Pocinho (viagem deslumbrante!).
De Lisboa ao Porto desenhei alguns alunos.
Do Porto ao Pocinho, entreti-me a conversar com algumas pessoas e acabei por desenhar o Sr. Manuel Marcelino Monteiro, que ia até à Régua para jogar umas cartas com os amigos...
Jantámos no restaurante do museu Côa. Fenomenal.
Dissemos aos alunos que iam aprender várias técnicas de desenho. No caderno experimentava-se e depois, em folhas soltas, desenhava-se com mais cuidado. Como faço sempre o que lhes peço, também eu desenhei em folhas soltas e usei o caderno só para uns borrões. Mas assumi que as folhas seriam como um Leporello: os desenhos iam interligar-se todos.
E aqui estão as duas primeiras folhas ligadas: pessoas no comboio + a paisagem do Côa + uns apontamentos escritos e a garrafa de vinho.
Nos próximos post's revela-se um pouco mais do que aí vem...
segunda-feira, novembro 07, 2016
Lancaster, August 2017
Chegámos a Lancaster num dia bem chuvoso e frio.
Normal. Inglaterra é assim.
Dormimos e curámos o cansaço de Manchester.
Sol. Luz muito bonita no dia seguinte.
Casa de família.
Risos de crianças a brincar lá fora.
Sentimento de querer ficar ali durante um ano.
Subimos à zona mais alta.
Vista para os lagos.
Monumento/basílica/museu. Este.
Afinal não tinha descansado tudo.
Sono, muito sono.
Vista do parque infantil.
Muitas crianças.
Rapidez. Algum desinteresse.
O Matias a brincar vinha, de vez em quando, espreitar.
Curiosidade.
Outras crianças a bisbilhotar.
You are very good on drawing.
Sorri.
Saudades de ser criança...
sábado, novembro 05, 2016
Hunting and Gathering with Fred Lynch
O Fred Lynch faz parte do Comité de Educação dos USk e é uma honra tê-lo na equipa.
Já há algum tempo que seguia os resultados do curso que ele faz em Viterbo, Itália, com os seus alunos do Monserrat College of Arts, a que chama: Drawing Viterbo.
No Simpósio de Manchester, o workshop dele foi um dos que queria mesmo fazer. Ele chamou-lhe Hunting and Gathering: sketching vignettes and lists.
Começou com uma pequena apresentação em sala, explicando o paralelismo entre o desenho de uma letra e o desenho seletivo que podemos fazer, dando especial atenção à escala e aos espaços vazios.
Saímos para a rua à caça destas pequenas vinhetas, tentando contar alguma história.
Fui.
Começou a chover.
A Ea Ejersbo, amiga desde 2011, encontrou-me:
- Do you have time? I need to talk to you.
- We can talk now if you want.
- No! After your sketch...
- After my sketch I will not have time.
Encharcados, ficámos a conversar sobre os USk, opiniões, sentimentos.
Voltei para a sala, para a partilha e crítica.
Não me safei mal, mas podia ter sido melhor.
Voltámos para a rua. Agora não para fazer pequenos desenhos rápidos, mas para escolher um tema e fazer a vinheta.
A Fernanda Vaz de Campos, que tinha ficado na sala a desenhar da janela, acompanhou-me.
No meio de tanto inglês, foi bom falar um pouco de Português.
Tirou-me esta fotografia.
Desta vez não choveu.
Voltámos para a sala.
Safei-me melhor.
Nova saída para a rua. Desta vez para escolher uma coleção.
Fui de novo com a Fernanda Vaz de Campos.
Os dois escolhemos janelas.
Devia ter alinhado as minhas por baixo...
Voltámos para a sala.
Grande feedback do Fred. Grande instrutor. Sabe do que fala.
Descobri que é daltónico: color blind, como dizem os americanos. Cego para as cores, palavra que faz mais sentido do que daltonismo, embora esta faça honra a John Dalton, cientista inglês que descobriu, entre outras coisas, a anomalia da visão das cores.
E é isto o Simpósio: aprender, aprender, aprender!
terça-feira, novembro 01, 2016
Lancaster + London
No Alfabeto Lisboeta 2016/17 andamos a trabalhar num caderno desdobrável, também chamado de leporello, nome do servo de Don Giovanni - o famoso mulherengo - pois era num caderno deste tipo que Leporello ia guardando/mantendo os nomes dos amores do seu mestre.
Pois bem, a verdade é que um desdobrável permite-nos fazer um registo muito diferente do habitual: sobreposições, contaminações de desenhos, cores ou até mesmo texto. Parece-me que o segredo é deixar sempre alguma coisa inacabada de um desenho para o outro e continuar as linhas como se de um apenas se tratasse.
Neste caso, o conjunto é tão grande que as diferentes histórias são difíceis de contar apenas num post. Comecei em Lancaster, terra inglesa bem típica a Norte de Manchester e terminei em Londres.
Abrir este caderno é como sentarmo-nos no sofá com uma bela chávena de chá a contar histórias de viagens. Não tem fim...
domingo, outubro 30, 2016
Manchester Symposium - opening reception
Num Simpósio, o estado de euforia é tão grande que, por vezes, quase nos esquecemos de desenhar.
Esta recepção a todos os participantes no grande salão da Câmara Municipal foi um desses casos. É o momento certo para encontrar velhos amigos, fazer novos, tentar ouvir e entender inglês com vários sotaques no meio de muito barulho, mas, sobretudo, é como sermos apanhados por uma onda gigante do mar: é só deixarmo-nos ir...
Estava à conversa com o Richard Briggs, australiano e instrutor num Simpósio pela primeira vez, quando, de repente, já estava a conversar com o Daniel Green e a Amber. Depois um casal amigo deles de Massachusetts. Depois o James Hobbs. Depois o Jason Das. Depois o Miguel Franco. Depois a Brenda Murray, a Suma CM e tantos outros que lhes perdi a conta. Só senti a falta do Gabi...
Entretanto a música começou. O pessoal sentado ali em frente (vêem-se bem: a Patrícia Assunção, o Rob Sketcherman, o Nélson Paciência, o Pedro Loureiro e o Miguel Franco) não perdeu a oportunidade de desenhar as violinistas! Depois os microfones ligaram-se. Estava mesmo tudo a começar. Estava a meio da sala, mas tinha de ir lá à frente tirar uma fotografia! :)
Voltei para onde estava e, como a concentração estava toda nas palavras que saíam pelas colunas, tirei o caderno e tentei desenhar o mais rápido possível este salão incrível cheio de gente que gosta de desenhar, vinda dos 4 cantos do mundo.
As vozes do microfone pararam. Bateram-se palmas e as conversas voltaram.
Ficou então assim o meu desenho, inacabado, mas cheio de memórias dessa opening reception!
quinta-feira, outubro 27, 2016
Manchester in watercolor
Admiro, há muito tempo, o trabalho da Marion Rivolier. Em 2013 ela veio a Lisboa e encontrámo-nos para desenhar juntos. Mostrou-me as aguarelas dela e fiquei rendido. Disse-me quais eram e onde se compravam online. Mandei vir 3 ou 4 e passei usar.
O ano passado, quando o Comité de Educação recebeu a proposta dela para dar um workshop no Simpósio em Manchester, a decisão de o aprovar foi unânime. Ela é mesmo uma mestre.
Motivado por tudo isto, inscrevi-me no workshop dela: paint like nobody's watching.
Percebe-se que andei à luta não é? No final, esgotadíssimo da batalha, cheguei a uma conclusão: tenho de comprar mais cores.
You need to buy one light blue, at least! - disse-me ela no seu inglês afrancesado cheio de charme!
sábado, outubro 22, 2016
Manchester bridgewater canal
Este não foi o primeiro desenho que fiz em Manchester, mas o segundo.
Logo no dia de abertura, 27 de julho, da parte da tarde, foi marcado um Sketchwalk até um dos locais mais icónicos da cidade: the bridgewater canal.
O ambiente estava cheio de entusiasmo: pessoas a desenhar por todo o lado. Não havia espaço para mais ninguém, pudera, quase 500 pessoas num pequeno canal de água com um espaço estreito para passar. Se parássemos para falar com alguém, já estávamos a tapar a vista a alguém...
Seguimos caminho: eu, a Ketta e o Matias. Atravessámos por baixo desta grande estrutura metálica que suporta a ligação ferroviária entre Manchester e Liverpool (a primeira da história da humanidade!) e pensei: "É mesmo aqui. Vou fazer um desenho rápido no caderno gigante que comecei em Nova Iorque para ver se ele acaba de vez!"
Lancei-me o mais rápido que podia, mas a estrutura era demasiado complexa e acabei por ficar ali a desenhar mais tempo do que queria. Chegámos atrasados à fotografia de grupo. No dia seguinte, tudo ia começar mais a sério!
quarta-feira, outubro 19, 2016
Trip to England starting in Manchester
Com este Tyrannosaurus Rex, começo a contar as aventuras por terras de sua majestade.
Desenhado no Manchester Museum, durante esta actividade da Emma FitzGerald, ainda comecei um outro esqueleto de um peixe gigante, mas não tive tempo de terminar.
Alguns defensores ferrenhos do Manifesto USk dizem que se não desenharmos o contexto envolvente, não é urban sketching. Para não me envolver em polémicas, este desenho fica apenas por aqui e não vai para o USkP ou USk. Para mim, o mais importante mesmo, é gostar de desenhar!
quinta-feira, outubro 13, 2016
Castro S. Lourenço - Esposende
Um bom exercício é tentar contar a história do desenho apenas com um título, um sub-título e um parágrafo. É isso que vou tentar fazer em três versões diferentes com estes três desenhos feitos em Esposende, julho passado.
CASAS NA ROCHA
Castros de comunidades com mais 5 mil anos são visitáveis ao público
Sobe-se por Esposende e parece que se viaja no tempo, para uma altura em que a caça e o fogo seriam a conversa do dia. Percebe-se que as comunidades usariam estas casas na rocha para se protegerem contra o frio da noite e se abrigarem. Construíam-nas no topo dos montes para nunca perderem a posição privilegiada de visibilidade sobre o inimigo. Embora nos pareça impossível viver num lugar assim, os nossos antepassados foram pioneiros, permitindo que chegássemos hoje onde estamos.
FEIRA MEDIEVAL EM ESPOSENDE
Castros de S. Lourenço acolhem mais uma feira da Idade Média
Embora a Idade Média tenha sido há muito menos tempo que a construção dos Castros de S. Lourenço, a vida que uma feira medieval dá ao local vale a pena pela revitalização do espaço e atração turística. Mulheres a tecer, homens a forjar o ferro ou a esculpir madeira levam-nos numa viagem pelo tempo e colocam-nos a imaginar como seria a vida destes nossos antepassados. Por vezes queixamo-nos da vida que levamos. Será que temos mesmo razão para isso?
URBAN SKETCHERS PORTUGAL EM ESPOSENDE
Cerca de 20 pessoas desenham os Castros de S. Lourenço
Vêm de várias zonas do país e o que mais gostam de fazer é desenhar em cadernos. Passaram um dia em Esposende e outro em Fão a desenhar, mas também a falar sobre desenho. O que os move é o desenho quotidiano, descomprometido e afirmam que qualquer pessoa pode aprender a desenhar. Se é um dos que afirma que nunca teve jeito para o desenho, arrisque-se a desenhar com eles. Vai ver que muda de ideias.
segunda-feira, outubro 10, 2016
Trump tower & Newark airport
Já praticamente sem tinta, chegam assim ao fim os meus posts sobre a cidade de Nova Iorque.
O meu voo era só à tarde e ainda deu tempo para ir ao encontro dos USk-NYC com ponto de encontro marcado para o Public Garden da Trump Tower que funciona como um jardim de inverno.
Quem diria que o senhor que dá nome a este arranha-céus estava agora a candidatar-se na última fase para presidente dos Estados Unidos? Ainda bem que o gás se lhe está a acabar, tal como a minha tinta...
Quando cheguei ao aeroporto de Newark, com bastante tempo de antecedência, lembrei-me da minha viagem a Savannah em 2014. Na altura, apenas de passagem no aeroporto, olhei para o skyline de Nova Iorque e senti que um dia havia de lá ir.
Como é relativa a nossa visão das coisas...
Pensava eu que ia visitar/desenhar primeiro todos os países da África Negra antes de me dedicar à América do Norte quando a vida me troca as voltas e para o ano, se tudo correr bem, lá irei eu de novo para a terra do tio Sam.
quarta-feira, outubro 05, 2016
Grand Central Terminal
Antes de voltar a Memphis, a Elizabeth Alley deu-me o mapa dela de Nova Iorque. É um mapa mesmo bom, plastificado e com uma excelente explicação da rede de metro da cidade: impossível perdermo-nos com ele na mão! Depois, ainda me enviou uma mensagem a dizer que não podia deixar Nova Iorque sem desenhar o interior do Grand Central Terminal.
Fui lá.
Entrei, olhei para a direita e estava um café com muito bom ar.
Enregelado, tomei uma das decisões mais sábias: sentar-me a beber um cappuccino e a desenhar confortável, custasse o que fosse preciso. Tratava-se do Cipriani Dolci - um dos míticos cafés de Nova Iorque. Custou-me os olhos da cara, mas pagou muito bem a temperatura quente, o conforto e o tempo que lá fiquei.
As pessoas engravatadas e muito bem vestidas chegavam, sentavam-se, reuniam, falavam, comentavam o meu desenho, levantavam-se de novo e iam embora sem que o lugar delas arrefecesse. O ciclo de vai-e-vem de gente é esmagador em Nova Iorque.
Soube muito bem parar no meio da confusão... a lembrar o conto de Edgar Allan Poe sobre o homem da multidão...
sexta-feira, setembro 30, 2016
Retiro de diários gráficos * casa velha * fátima
Este desenho do P. Nuno Branco bem cheio de despreocupação pelo rigor do detalhe é algo misterioso...
Teremos cinco exercícios misteriosos entre sexta feira à noite (o retiro começa com o jantar) e domingo à tarde (acaba depois do almoço). Passaremos pela Cova da Iria, pois foi lá que aconteceu um grande mistério há quase, quase 100 anos e continuam a aparecer todos os dias pelas pessoas mais improváveis, quase invisíveis como os pastorinhos...
Embora pareça que este fim de semana de outubro é o mais concorrido de sempre (e que me obrigaram a declinar dois convites e a uma complicada ginástica de agenda com outro), tenho em mim um entusiasmo crescente de que este será um dos melhores retiros que eu e o P. Nuno alguma vez organizámos.
Inscrevam-se enquanto há vagas, porque vai ser mesmo esmagador! ;)
quinta-feira, setembro 29, 2016
Sketch Night at Society of Illustrators | NYC
Veronica Lawlor (VL): Mario, I would like to invite you to a modeling Sketch Night at the Society of Illustrators. You will be my guest.
Mário Linhares (ML): Wow! Thanks for inviting me. I'll go for sure!
VL: The address is 128 East 63rd Street. The session start at 6.30 pm. Don't be late! We have to pay $20, but they offer a small plate buffet for dinner.
ML: I'll be there. Count me in.
O tema da noite era o dia de S. Valentim e as duas modelos convidadas e vestidas por um estilista de NYC vinham de vermelho. A primeira fazia poses fabulosas, dinâmicas, cheias de piada e energia. A segunda, mais magra, era muito estática, poses aborrecidas praticamente com os braços caídos e as pernas paralelas. No intervalo da primeira sequência de poses perguntei:
ML: Ronnie, the second model is so boring. Do you know what's happening?
VL: Yeah, I don't know why she's here. I think it's her first time posing for sketchers. I did just a red vertical shape to sketch her...
E rimos os dois às gargalhadas!
Elas iam intercalando e, na segunda ronda, praticamente deixei de a desenhar. Foquei-me apenas na modelo melhor e fui desenhando também o ambiente.
A minha tinta da china estava mesmo no fim. Já raspava com o pau no recipiente e quase não saía nada - Mas por que raio não trouxe eu mais tinta?
Tive uma tentação enorme em colocar cor vermelha. Tanta, tanta, que tirei um caderninho pequeno, desenhei rapidamente a modelo aborrecida e brinquei com umas manchas de aguarela. Não queria contaminar o caderno grande com cor, agora que já tinha tantos desenhos feitos apenas a preto.
No final, ao ver a exposição de ilustração que estava na sala e em conversa com a Veronica (Ronnie para os amigos), chegávamos a uma conclusão:
Technique is nothing compared with the mind concept. It's all about the idea, not the technique...
quarta-feira, setembro 28, 2016
3 workshops gratuitos
É muito raro orientar workshops de diários gráficos gratuitos. Não porque acredite que não se devem oferecer, mas porque acredito que as pessoas valorizam mais as formações quando pagam algo por elas, ainda que o valor seja meramente simbólico. A experiência também confirma esta minha posição. Sempre que orientei workshops gratuitos, algumas pessoas não se empenharam como podiam e os resultados foram sempre frustrantes.
Existem, porém, excepções. E no próximo fim de semana vou abrir três! Serão no Jardim da Estrela, inseridos no evento Lisboa Idade. Os três serão iguais e as inscrições são gratuitas. Só é preciso levar um diário gráfico, caneta preta e material para colorir.
Existem outras actividades a decorrer. Vale a pena ver toda a programação.
No domingo, dia 2 de outubro, haverá um encontro de diários gráficos aberto a toda a gente. Quem se inscrever pode começar a desenhar logo no almoço que será oferecido aos primeiros 20 a enviarem-me um email para participar: linhares.mr@gmail.com
Não percam!
domingo, setembro 25, 2016
Manhattan panorama view
No dia 12 de fevereiro, neste post, tinha prometido contar a história do desenho feito dentro do restaurante com duas estrelas Michelin. Pois bem, é muito simples. Se fosse uma notícia de jornal, poderia ter este título:
Em Nova Iorque, de propósito
Com seis graus negativos, em pleno mês de fevereiro e as mãos a congelarem, passaram de Ferry para o bairro de Brooklyn à procura da vista mais icónica de Manhattan. Uma camada fina de gelo nos bancos de jardim e o vento rasante eram sinais de que o desenho desejado seria impossível de realizar. Ponderadas todas as possibilidades, entrar no The River Cafe era a última solução; nada mais, nada menos que um restaurante bem chique com duas estrelas Michelin à porta e um dress code bem apertado...
Dirigiram-se à entrada e, de imediato, foi-lhes dito que estavam fechados. Eram quatro da tarde e só a partir das cinco é que abriam para bebidas. Disse-lhes o Mark Leibowitz:
- O meu amigo está cá de propósito para desenhar esta vista. Veio de Portugal e vai embora amanhã.
- Vou chamar o gerente. - respondeu a rapariga tão bem vestida e de tão bom ar que parecia saída de uma passagem de modelos.
Veio o gerente - também um charme - e disse:
- O melhor que posso fazer por vocês é emprestar-vos um smoking para entrarem.
- Este é o Mário Linhares, um famoso sketcher de Portugal. Veio cá de propósito e vai embora amanhã. Só precisamos de ficar 30 min. Não nos vai negar isto, pois não?
O caderno do Mário abriu-se e mostrou-lhe os desenhos com um ar confiante de que seria mesmo o melhor desenhador do mundo. Mostrou também o pau de madeira, a tinta da china no boião e aquilo acabou por impressionar.
- Entrem então - disse o charmoso gerente.
Escolheram o melhor banco ao balcão e começaram os dois a desenhar. Passados 15 minutos entrou um casal que lhes quis comprar os desenhos. Disse a senhora super chique para o seu muito-bem-vestido marido:
- Este ficava mesmo bem lá em casa não era my love? Por quanto o venderia?
Mas o Mário não lhe vendeu o desenho. Tinha na mente um projeto expositivo:
| um português | uma técnica asiática | a desenhar em Nova Iorque |
Só não lhes disse que não tinha ido lá de propósito e que não ia embora amanhã. Essa era a mentira do seu amigo Mark para conseguir entrar de calças de ganga, luvas, gorro e casaco farfalhudo num restaurante chiquérrimo.
O projecto, esse, talvez ainda se concretize...
sábado, setembro 24, 2016
Alfabeto Lisboeta: museus incomuns
Aí está o tão aguardado novo Alfabeto Lisboeta!
Este ano atiramo-nos aos museus mais incomuns de Lisboa; aqueles que (quase) ninguém ouvir falar ou que guardam (e mostram) coisas nada comuns.
Serão 26 sessões, tantas quantas as letras do alfabeto, com exercícios invulgares e muita descoberta nesta cidade maravilhosa banhada pelo Tejo.
A inscrição inclui um caderno Laloran, as entradas nos museus, uma masterclass com um formador internacional e donativo para os Urban Sketchers.
Curiosos? Peçam o programa por email para linhares.mr@gmail.com
Começamos dia 22 de outubro!
segunda-feira, setembro 19, 2016
Fashion Ave. 7av. W29 st.
Quando, em 2014, fui pela primeira vez aos Estados Unidos, uma das coisas que mais quis desenhar eram as escadas de incêndio nas traseiras dos prédios...
Neste dia 11 de fevereiro, decidi que ficaria o tempo que fosse preciso a desenhá-las.
Entrei para tomar o pequeno almoço no Prêt-a-Manger e sentei-me bem encostado à montra. O meu depósito de tinta da china estava a esgotar-se. Carregava com o pau de madeira e parecia que o algodão estava encharcado, mas era cada vez mais difícil de fazer uma linha contínua...
Abri o caderno gigante (que ocupava toda a mesa), empurrei o copo de café (large size) mais para a frente da mesa para ter espaço e lá me lancei no desenho. Do meu lado direito desta 7Av. ficava o Fashion Institute of Technology e, a esta hora da manhã (sim, porque ainda estava com jetleg e a acordar às 6h30, o que resultava em pequenos almoços pelas 8h), viam-se muitos alunos a caminhar em direção à faculdade. Um deles parou lá fora e ficou a olhar para o meu caderno durante uns segundos. Depois seguiu, porque nesta cidade é difícil parar. Entrou depois uma australiana. Pensou que eu era Nova Iorquino e começou a elogiar o espírito artístico da cidade, que era exactamente isto que ela queria mostrar às suas alunas (que estavam para chegar): como se pode desenhar em todo o lado. As alunas entraram passados uns 5 minutos e ela virou, finalmente, a atenção desmesurada para elas.
Continuei...
Passado uns 10 minutos, o rapaz que tinha parado lá fora na montra a olhar para o desenho estava ao meu lado!
- I'm the guy who stopped out there looking at your drawing. - disse ele como que a justificar-se.
- Really?! - não queria mesmo acreditar, até porque estava a lutar com o desenho para que se salvasse e não era possível que chamasse assim tanto a atenção...
- I'm amazed about your technique. Nowadays we don't see people sketching with such an ancient Asian technique as you're using.
- I learned from a excellent sketcher living in Malaysia, but I'm still trying to understand and control it. - (embaraço...)
Depois perguntou-me de onde era, deu-me os parabéns e foi-se embora.
Bebi mais um gole de café já morno.
Olhei lá para fora.
Fechei o caderno e saí.
terça-feira, setembro 13, 2016
The view - restaurant & lounge
Não gosto especialmente destes dois desenhos, mas o local é tão especial que não podia deixar de os publicar.
O Mark L. levou-me ao restaurante The View, mesmo ao lado da famosa Times Square. Lá de cima tem-se uma vista panorâmica absolutamente incrível sobre Nova Iorque. Sentámo-nos, pedimos uma cerveja e desenhámo-nos um ao outro. Senti novamente falta da cor, mas mantive-me fiel ao projecto a preto e branco...
Enquanto conversávamos, o piso do restaurante ia rodando até fazer os 360º sobre a cidade. Tudo parecia em marcha lenta, mesmo bem lenta, mas enquanto desenhava, tudo me parecia muito rápido, demasiado rápido mesmo...
Ficou esta dupla página mesclada de diferentes vistas de Nova Iorque. Este é, talvez, o desenho que gosto menos dos que fiz lá.
quarta-feira, setembro 07, 2016
NYC - St. Patrick's Cathedral
10 de fevereiro de 2016 foi uma quarta feira e viam-se muitas pessoas nas ruas de Nova Iorque com uma cruz negra na testa. Muitas mesmo...
Tinha combinado com o Mark Leibowitz desenharmos juntos nesse dia. Tendo em conta o frio que estava, marcámos encontro na St. Patrick's Cathedral, a catedral católica de Nova Iorque.
Entrei e fiquei deslumbrado pela arquitectura que me lembrava as catedrais góticas europeias. Pensei:
Isto só pode ser Gótico!!
Hum... mas catedrais da Idade Média nos Estados Unidos não fazem sentido...
Só pode ser então Neo-Gótica...
E, rapidamente, a minha mente começou a viajar pelos tempos das minhas aulas de História da Arte do secundário em que eu e os meus colegas da António Arroio, depois da matéria dada em aula, tentávamos adivinhar os estilos arquitectónicos das igrejas de Lisboa. Senti-me novamente um estudante a tentar juntar as peças e estabelecer relações...
Sentei-me.
Fiquei uns bons 10 a 15 minutos só a olhar.
Haviam filas de pessoas que passavam nos corredores entre bancos em direção a um sacerdote que lhes impunha uma cruz de cinzas.
Hoje é quarta feira de cinzas, claro! - pensei - Começa a Quaresma...
Entretanto chegou o Mark:
- Mário! You arrived earlier. - disse ele.
- Yes, too much cold outside. I had to enter! How are you?
- Good! Happy to be here sketching with you.
- Great. Thanks for coming and stay all day with me! - estava mesmo agradecido, pois ele iria mostrar-me Nova Iorque como eu nunca teria conseguido ver.
- Do you want to sketch here inside?
- Yes, I love this architecture...
E assim estivemos ali uns bons 50 a 60 minutos. Ele fez um desenho bem mais pequeno, mas esperou por mim pacientemente e foi colocando aguarela sobre aguarela, acrescentando pormenores, só para eu estar à vontade.
Mais tarde, num café do último piso de um arranha céus, a nossa conversa ganhou densidade e profundidade. Falámos de tanta coisa... muito sobre os Urban Sketchers, mas também sobre a vida em Lisboa e em Nova Iorque, valores, o que nos leva a tomar decisões importantes, até que ele, do nada me perguntou:
- Mário, are you a catholic person?
- Yes, - e antes que conseguisse continuar...
- But, no aches today... - e apontou para a minha testa em branco.
Sorri. E a partir dali a nossa conversa foi mesmo muito mais interessante! ;)
domingo, setembro 04, 2016
Guggenheim - NYC
Acordava constantemente cedo. Por volta das 6h já não tinha sono. Penso que a diferença horária de 5 horas demorou um pouco a ser vencida. Levantei-me, tomei banho, vesti-me, saí do hotel, parei para tomar o pequeno almoço (torradas, fruta, iogurte e café), fui para o metro na direção de Uptown até sair numa estação próxima do Guggenheim. Caminhei umas boas centenas de metros com as mãos geladas nos bolsos (mesmo com luvas) e um vento rasante que teimava bater na cara, mas cheguei lá cedo demais; por volta das 9h e o museu só abria às 10h. Estava um frio que se entranhava nos ossos, mas não ia ficar uma hora sem desenhar. Limpei um banco cheio de geada com um pequeno guardanapo de papel, sentei-me (e logo senti o frio a subir pela espinha), abri a mala, tirei o caderno, tirei também as luvas e pensei: é só durante uma hora...
Fiz aquele pequeno desenho que está na página esquerda e, quando já não aguentava mais o frio (sentia-me um boneco de neve a dirigir todo o seu calor para as mãos, deixando o resto do corpo esquecido), levantei-me, vi as horas (ainda faltavam 40 min.) e fui desenhar outro ponto de vista do edifício, mas em pé. Desenhei o que está do lado direito, com o caderno em cima de um caixote do lixo. Estava numa esquina e o vento estava cada vez mais forte. Passavam por mim alguns nova-iorquinos a passear os cães, ainda de roupão...
Vi, entretanto, que a loja do museu ia abrir. Estou salvo, pensei. Entrei, vi tudo o que eles têm para vender, e fui depois para o hall onde me perdi a desenhar aquele interior maravilhoso que o Frank Loyd Right tão bem conseguiu projectar.
Comprei o bilhete e decidi perder todo o tempo que fosse preciso ali dentro. Não me iria escapar nada. Ouvi a história do edifício, a polémica que se criou quando foi apresentado, vi a exposição permanente (absolutamente fabulosa) e as temporárias ao longo da espiral enquanto subia: instalações, vídeos, esculturas, pinturas... Andei para cima e para baixo. Quando pensava que me ia embora decidia voltar atrás e ir ver tudo de novo.
Sentei-me, depois, num canto discreto, entre espirais e comecei a desenhar de novo...
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