Dia 5
(2ª parte)
Não estava a ser fácil estar perto do Siza. Todos queriam estar com ele, falar com ele, tirar fotografias ou pedir-lhe autógrafos, o que não dava espaço para mais ninguém. Como não sou metediço, olhava, de longe, tudo a acontecer sem me intrometer...
Havia a ideia de passarmos algum tempo juntos a desenhar e a falar de desenho. Falámos disso com o diretor geral das Artes. Que bom seria termos tido essa oportunidade: 4 urban sketchers a falar de desenho em cadernos com o Álvaro Siza Vieira. Mas não foi possível. Não havia tempo nem tranquilidade para o fazermos. Ao perceber isso, decidi desenhá-lo fosse de que maneira fosse. Primeiro de longe, enquanto ele estava sentado à espera que um fotojornalista italiano fizesse a chapa. Acontecia tudo tão rápido que optei por deixar assim esta página, com ele a olhar para fora do caderno...
Depois veio a hora do almoço e todos os lugares à sombra ficaram ocupados!
@ DGArtes
Almocei tranquilamente e sem pressas de voltar ao desenho. Bebi dois copos de vinho a acompanhar a pasta italiana e terminei a pedir uma garrafa de água. Levantei-me depois e deambulei à procura do local para desenhar. Nada. Andei para trás e para a frente a tentar encontrar o ponto de vista certo que mostrasse a animação da Tavolata, mas não estava a conseguir...
A meio caminho, decidi sentar-me num dos lugares à sombra que já estava vazio. Nesse instante, levantou-se o Siza do outro lado da mesa e começou a caminhar na minha direção. Vou desenhá-lo outra vez - pensei. Por sorte, alguém foi conversar com ele, o que me deu tempo para abrir o caderno. Assim que comecei a desenhar, ele olhou logo para mim. Deixou de conversar com a pessoa com quem estava e veio ter comigo. Sentou-se e ficou a ver-me desenhar. Passado uns segundos disse: você desenha bem...
A partir desse momento era inevitável mostrar-lhe o meu caderno e todos os outros desenhos feitos até então.
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As interrupções eram constantes. Apareceu um casal que vive na
Bonjour Tristesse, um arquitecto italiano que tinha sido um dos primeiros alunos Erasmos do Siza no Porto, várias pessoas a pedir autógrafos, o jornalista da Sic com a Cândida Pinto a querer fazer uma notícia e mais não sei quantas pessoas... foi um frenesim...
Quando as pessoas apareciam, eu voltava às páginas onde estava e continua os desenhos dele. Tudo muito rápido e ele sempre a mudar de posição...
O rapaz de óculos escuros que estava com ele (e que não sei mesmo quem é) disse-me entretanto:
- Você não pode pedir ao Siza para autografar no seu caderno.
- Pois... - respondi intrigado...
- É que há uns anos já tivemos um problema com uma pessoa que fez um desenho e pediu ao Siza um autógrafo. Ele claro que assinou, com generosidade, mas a pessoa depois vendeu o desenho como se fosse um original do Siza. Foi um problema.
- A sério?!? - não queria acreditar.
- Sim. Parece mentira, mas é verdade.
- Gostava de ter um autógrafo dele, mas posso pedir para ele assinar nos flyers da exposição...
Entretanto o Siza é completamente desviado para uma filmagem da Sic e a minha conversa com ele termina abruptamente. Faço mais um desenho sentado, mas o autógrafo não chegou a ser feito...
Enquanto ele dava a entrevista, tentei desenhar o ambiente da Tavolata, mas não fiquei contente com o resultado. Voltei a sentar-me à mesa e perguntei se podia desenhar a senhora que estava ao meu lado. Não percebeu o que perguntei e respondeu-me que não podia desenhar, que não queria. Reiterei que queria ser eu a desenhá-la e, então, deixou. Perguntou-me antes quanto tempo ia demorar. Dez a quinze minutos, respondi eu. Tudo bem, ordem para avançar.
Enquanto fazia o desenho, foram vários os sorrisos dela e percebi que estava a ficar contente com o resultado.
- De pernas para o ar parece sempre bem - alertei eu, prevenindo eventuais desapontamentos no final.
Quando virei o caderno ela gostou tanto que me pediu autorização para tirar uma fotografia.
- Claro que sim! Pode escrever o seu nome perto do desenho?
Ela olhou para mim com um ar de espanto e disse com sotaque alemão:
- Brigitte Fleck!
- Sim, mas pode escrever? - respondi atrapalhado por lhe ter perguntado o nome e ter ficado com a sensação que devia saber quem ela era...
Feita a investigação em casa, trata-se realmente de uma pessoa muito importante na promoção da obra do Siza em livro e sua internacionalização. Sempre a aprender Mário, sempre a aprender. E que honra tê-la desenhado também, ainda que quase sem querer...
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