«Olha, filho, a mim também me parece duro em demasia o vosso viver sem nada possuir”»
- Desabafou o bispo Guido a S. Francisco de Assis.
Saímos apenas de caderno na mão.
O objectivo era mendigar uma caneta, lápis ou outro material qualquer.
Pedir, mendigar, assumir que algo nos falta...
A referência era fortíssima: S. Francisco chamava a si a tarefa de mendigar comida. Quando ninguém lha dava dizia: "Terei o privilégio de jejuar".
"Que loucura!" - pensava eu enquanto lia a biografia dele. Como pode isto influenciar a preparação de exercícios de desenho?
Pedir custa. Assumimos todos isso. Queremo-nos fortes, sem medo de nada ou ninguém...
Colocarmos-nos numa situação de incerteza e fragilidade é algo que não vemos como valioso.
Confiar em alguém desconhecido nos pode ajudar é impensável nos nossos tempos.
A alegria que se gerou porque alguém nos deu uma caneta esferográfica foi surpreendente.
Experimentar um sentimento de satisfação depois de um de despojamento foi, talvez, um dos pontos altos do retiro em Assis...
Caminhei até San Damiano, a famosa capela onde S. Francisco percebeu qual a sua missão e onde Santa Clara viveu depois até morrer.
Caminhei até lá sem mochila e material para desenhar, só com o caderno.
Quando lá cheguei, já todos tinham materiais para desenhar e estavam eufóricos.
Aproximei-me de um irmão franciscano e pedi-lhe uma caneta. Ele, atrapalhado, pediu-me para esperar e foi "lá dentro". Apareceu depois com uma daquelas esferográficas patrocinadas por uma empresa qualquer. Agradeci e disse-lhe que a devolvia no final.
Experimentei a caneta.
Falhava constantemente.
Também eu falho constantemente. Mais vale que o desenho mostre isso mesmo...
Perdi-me nas horas dentro da capela e desenhei apenas o sacrário (1.º desenho).
Aproximei-me do altar-mor para desenhar os frescos, mas foi o sacrário que voltou a ter destaque (2.º desenho).
No dormitório onde Santa Clara de Assis morreu, uma janela com degraus encadeou-me. Assistiu a tudo, ao longo deste séculos. Aponta lá para fora, degrau a degrau...
Saí, devolvi a caneta, não desenhei mais nessa manhã e tive o privilégio de não poder acrescentar mais nada a estas três páginas...