quarta-feira, junho 15, 2016

Reporting from the front: Alvaro Siza in Giudecca

Dia 5
(1ª parte)

25 de maio de 2016, grande adrenalina logo de manhã. Quando o despertador tocou, o Zé voltou a dizer em voz alta: 
- Voltei a não dormir nada! Estou tramado...
- Bora lá Zé! Hoje é o grande dia da inauguração e temos de chegar a horas! - respondi eu também ensonado e mal dormido. Era sempre eu quem se levantava primeiro. O Zé ficava a fazer ronha na cama...


Mal chegámos à estação fluvial S. Maria del Giglio tirei o caderno para aquecer. Coloquei-me mesmo junto à água para desenhar a outra margem. Não há maneira de saber quando chega o vaporetto, porque esta é uma estação pequena e não tem o ecrã com o tempo de espera, mas o que interessava mesmo era não desperdiçar o tempo.
A Benedetta só dizia:
- Não sei como é que vocês conseguem fazer isso assim tão rápido, descontrolado e controlado ao mesmo tempo. Isto está a ser uma grande aprendizagem para mim, para não me preocupar tanto com o resultado final...
Eu e o Zé riamo-nos e a caneta nem levantava do papel...
Chegou entretanto o vaporetto e o desenho continuou ao sabor do balanço do barco.


Chegados à Giudecca, a confusão de pessoas estava instalada. Todos à espera, mas uns com mais adrenalina do que outros. Quando pensamos que somos uns outsiders, que ninguém nos conhece e ali estão só vedetas, começam a aparecer pessoas conhecidas. Primeiro um grande amigo português que vive em Vittorio Veneto há décadas, o Domingos Ribeiro, tradutor e intérprete, com a Luzia, excelente académica e prestes a entrar no mundo laboral na área da comunicação e jornalismo (é bom ver como os portugueses são mesmo excelentes em qualquer parte do mundo). 
Depois a Cristina Carrilho da Graça, minha professora de Desenho na António Arroio, ali presente com o marido. Ao falar-lhe, passei a conhecer mais pessoas ainda e, quando dei por mim, estava só na conversa em vez de desenhar...
Encostei-me a uma parede e comecei freneticamente a desenhar. O ambiente tornou-se ainda mais fervilhante com a chegada do Siza. Jornalistas, fotógrafos, câmaras, políticos, todos de roda dele... que loucura, parecia uma estrela rock... e é, mas da arquitectura!


Com o acalmar do ambiente lá fora decidi entrar. Nos visitantes havia um misto de interesses: uns queriam mesmo ver e ouvir tudo ao detalhe. Os vídeos da sic são excelentes e merecem cada segundo. As maquetes são lindas. O ambiente de obra transformado em exposição é absolutamente brilhante. Até os grafitis que estavam nas tábuas do estaleiro foram levados lá para dentro (o Zé tem uns desenhos muito bons disso mesmo). 
Outros circulavam de uma sala para a outra olhando de relance para tudo e sem tempo para parar. Percebia que o foco deles era acompanhar o Siza. Uns pela excitação de o ver ao vivo, outros porque seguiam a massa de pessoas. Outros ainda, porque era ali que se estavam a tirar as fotografias para os jornais...


O Siza saiu lá para fora e a exposição esvaziou. Ficaram apenas os que queriam mesmo ver tudo ao detalhe. Voltei a encostar-me a uma parede. Nestes dois bancos sentaram-se dois habitantes locais. Queriam ver o vídeo com calma e sem barulho. Também eu...
Há uma imagem muito bonita no filme em que o Siza aparece em primeiro plano e, em plano de fundo, vê-se o casario de Veneza com a torre campanária da Piazza di S. Marco. É tudo rápido, muito fugaz, mas tirei as aguarelas e fiz essa mancha de memória. Depois os limites da tela e a silhueta das duas senhoras sentadas a ouvir falar do sítio onde moram.
Lindo este momento...


Depois, antes de almoço, tirámos uma fotografia de nós os 4, urban sketchers, em trabalho de reportagem na Giudecca. A chapa oficial está aqui, mas antes fiz esta selfie. 
Mal sabia eu que durante o almoço estaria à conversa com o Siza sobre desenho, canetas, a linha preta, Veneza, enfim, uma honra...
Virá essa história no próximo post.

sexta-feira, junho 10, 2016

Burano and vaporetto

Dia 4 
(3ª parte)


Andar no vaporetto não é como andar num qualquer outro transporte público. Tem tudo aquilo que um qualquer outro transporte público tem, mas consegue ter mais ainda! Esse mais é que é difícil de desenhar... e acho que não consegui. Desenhei, desenhei, desenhei, mas não consegui guardar no meu caderno a sensação de uma criança com os olhos arregalados a olhar para tudo como se fosse a maior novidade da sua vida...


Não sou 100% eficaz nisto que vou dizer, mas, às vezes, antes de fazer um desenho, já sei que ele vai correr mal. A página ainda está em branco, olho à minha volta e sei, apenas sei. É qualquer coisa sobre o ponto de vista ou o desconforto físico, mas acontece-me ter essa intuição e, normalmente, está certa...
Outra coisa que me acontece (e esta é mesmo 100% eficaz), é saber que um desenho vai correr mal assim que faço a primeira linha.

Neste caso, assim que nos sentámos os três para desenhar eu sabia que aquilo não ia correr bem para o meu lado. Engonhei. Olhei para o relógio para confirmar se havia tempo para desenhar. Olhei em volta e meti conversa com as pessoas só para passar tempo...
Tirei as folhas soltas, a tinta da china e o pau de madeira na esperança que a técnica magnífica do KK me salvasse. Comecei pelo campanário, mas eu sabia... e assim foi. Nem o acabei. Mas também não o rasguei (os desenhos não se rasgam!). Meti-o na capa na esperança de no dia seguinte olhar para ele de modo diferente, mas ficou assim: um desgraçado desenho, feito em Burano, inacabado, que só veio parar ao blogue porque, três dias antes, enquanto fazia este desenho, mal começámos, o Zé Louro disse-me:
- Sabes quando fazemos uma linha e já sabemos que o desenho não tem salvação? (as palavras usadas foram outras, mas não as posso transcrever aqui)




Em honra do meu amigo José Louro, durante a viagem de vaporetto de Burano para Veneza, disse-lhe:
- Zé, nunca te consegui desenhar em condições. Ficas sempre mal nos meus desenhos. Deixa-me lá tentar outra vez.
- Queres que fique assim?
- Assim como?
- A olhar para a Benedetta a desenhar...

quinta-feira, junho 09, 2016

walking in Venice

Dia 4 
(2ª parte)  



À saída da Piazza S. Marco encontrei uma livraria. Entrei para comprar um livro para o Matias. Não interessava se estava em inglês, italiano, ou noutra língua qualquer, tinha era de ser um livro!
Dei de caras com este La Rumeur de Venise, da Albertine. Um pouco caro, mas vale cada euro.


Livro comprado, o destino era agora o Campo di SS Giovanni e Paolo e havia uma longa caminhada a fazer. Como é impossível ficar indiferente a cada esquina da Sereníssima, propus um exercício/jogo: à vez, quando cada um de nós visse algo que gostava mesmo muito de desenhar, parávamos todos e tínhamos 1 minuto para fazer o desenho. Resultado: muita palhaçada, risos e desenhos rápidos.
Conclusão: o Zé Louro é mesmo o mestre deste tipo de registo. Top, mesmo! Espero que ele publique os desenhos muito em breve. Para já, ainda só abriu um pouquinho o livro...


Chegámos então, já esganados de fome, à famosa praça onde está a escultura do Verrocchio. Os venezianos chamam-lhe apenas a escultura Colleone por ser o capitão-general que lá está.

Não queríamos perder tempo e procurámos uma fatia de pizza para passar aos desenhos rapidamente. No caminho, passámos por uma montra recheada de pasta feita à mão. O restaurante fazia fila à porta e a Benedetta disse-nos: logo à noite temos de jantar aqui! Um restaurante italiano cheio de italianos só pode ser bom sinal...


- Epá, vou fazer vários estudos da escultura equestre. - dizia-me o Zé.
- Boa, é assim mesmo, gosto dessa convicção toda!
- Assim daqueles bem arrumadinhos com alçados; tudo como mandam as regras. - insistia.
- Epá, vamos a isso!
- Não queres entrar ali na igreja primeiro, para ver o interior? - isto é só rir à gargalhada. Os planos trocam-se num clique, mas está sempre tudo bem! 
- Vamos lá então. Já que cá estamos... (~ tempo para caminhar e entrar ~) Uau, olha para trás - disse eu mal passámos a porta de entrada - parece que a fachada veio para o interior...
- Inacreditável...
- É preciso pagar para ir mais lá para dentro.
- Epá, não vale a pena. Vamos sair para desenhar...
- Ok, agora é que é!

E fui à procura de um local onde me sentar. Encontrei uma pequena coluna, mesmo junto à água do canal, onde me encostei depois de me sentar no chão. Desenhei primeiro a escultura sem mais nada à volta. Queria dar-lhe a importância devida e, como no desenho nós é que decidimos o que fica no papel, ficou assim com todo aquele espaço em branco para respirar
Depois peguei na caneta sépia e comecei por onde começo sempre: a esquina vertical mais perto de mim. A escultura, essa, ficou apenas a linha de contorno neste segundo desenho e fiquei agora com uma certeza: se um dia voltar a Veneza, além da Giudecca, este local passará a ser de passagem obrigatória!


Fomos depois ao Rialto levar a Alessandra de volta (ela que tinha feito o workshop no domingo e passou a andar connosco a desenhar todos os dias) e, nesse caminho de regresso, fizemos um upgrade ao nosso exercício: mais tempo! Três minutos passaram a parecer uma eternidade e a adrenalina de desenhar à velocidade da luz perdeu-se... Há encantos que só funcionam se parecerem utopias...

Do Rialto fomos apanhar o vaporetto para Murano. Este dia ainda tinha muito para acontecer...

quarta-feira, junho 08, 2016

Heritage center of Venice

Dia 4 
(1ª parte)



Após 3 dias focados na Giudecca, sentíamos necessidade de deambular pela outra Veneza: a que se desenvolveu em torno do grande canal, para que os registos fossem ainda mais abrangentes...

Sendo assim, como não começar pela Piazza S. Marco? A Benedetta sabia exactamente o que desenhar: a torre do relógio. Já eu, deambulei, procurei um local à sombra, confortável, pensei sentar-me na esplanada e pagar o que fosse preciso, fui ao centro da praça, lá atrás, do lado direito ao esquerdo, à base da torre, até que me encostei a um dos pilares das arcadas, em pé, e fiquei ali a olhar só para me regalar...
Depois abri o caderno, foquei-me e comecei a desenhar. Parecia que sabia desde sempre que seria dali que iria desenhar. Sentia-me automatizado...
... até que começou a música a tocar...

Estar ali a desenhar neste contexto mudou tudo.
Não há nada que escreva agora que possa descrever o sentimento de felicidade que tive ali. 
Tirei o telemóvel e gravei o som. Queria guardar o momento...

terça-feira, junho 07, 2016

Campo di Marte, Giudecca, Venezia

Dia 3 
(2ª parte)



A procura de novos pontos de vista para desenhar o projecto do Siza era intensa. Não queríamos que nada nos escapasse...
Encontrámos esta vista, da janela da Villa Hériot, onde trabalha um amigo de longa data da Simonetta, no Istituto Veneziano per la Storia della Resistenza e della Società Contemporanea. A casa é um palacete com um jardim imenso. Foi o local onde se fez a mesa redonda no dia da inauguração da exposição.

Esta vista era excelente para compreender o projecto como um todo. Vêem-se muito bem os dois blocos do Aldo Rossi com a cobertura em arco e, do lado esquerdo, o bloco do Siza.


Logo a seguir, no caminho de regresso à exposição, encontrámos, finalmente, a Stefania, pessoa responsável pela ATER na Giudecca e que nos ajudaria a entrar nas casas para desenharmos as pessoas. Foi assim que conhecemos o Silvano Ditodi (escrevi Silvio no caderno, mas é Silvano).
Sentei-me à mesa com ele e fui perguntando curiosidades: onde vivia antes de ir para ali, se está contente com a casa, como foi conhecer o Siza Vieira, que conversas tiveram, qual é a equipa de futebol  de Veneza, etc, etc. 
As respostas foram muitas. Os venezianos gostam de conversar. Antes de ir para a Giudecca vivia no centro, numa casa muito velha a precisar de obras. Como não tinha dinheiro para as fazer, concorreu a um apartamento aqui. "Mas só os Venezianos é que podem concorrer. Estas casas não são para estrangeiros!" - dizia ele, defendendo os seus.
- A casa é boa, mas precisa de uma janela na casa de banho - dizia-me a mulher, apontando para a parede cega vista da pequena varanda.
- E esta varanda? Comparada com a de baixo é mesmo pequena. Custava muito ficar igual? - continuava.
- Podemos continuar o desenho? - dizia eu atrapalhado...
Mais tarde (no dia seguinte), num dos vídeos da exposição feitos pela SIC (vizinhos), ouvia a mesma queixa feita por ela, mas directamente ao Siza. Ele respondeu: "Era porque não ficava bem. Mas não é razão, se fosse hoje fazia".

Vale a pena ver o documentário todo!


Ao final do dia, dentro do vaporetto, o céu de Veneza estava deslumbrante e dei por mim a pensar: grande projecto este que o Carlos Moura-Carvalho montou para a Biennale di Venezia. Curadores muito bem escolhidos. Local genial para a exposição. Equipa brilhante. Urban Sketchers a fazer reportagem desenhada com liberdade imensa. Grande sensibilidade para com a Arte!

É uma pena ele ter sido afastado do cargo. Fiquei muito entusiasmado com as pessoas escolhidas para a Bienal de Design em Londres: Manuel Lima, Pedro Miguel Cruz e Marta Menezes são a nata das natas. De certeza que esse projecto não vai cair por terra...

Este céu deslumbrante de Veneza lembrou-me também que as pessoas visionárias nunca deixam de o ser só por passarem a desempenhar um cargo diferente.

domingo, junho 05, 2016

Alvaro Siza na Giudecca: preparativos

Dia 3 
(1ª parte)


E ao terceiro dia, a Simonetta juntou-se a nós.
Era segunda feira e o plano passava por desenhar a colocação de fotografias no estaleiro da obra. Quais? As do Siza Vieira reunido com as pessoas que vivem nos edifícios de habitação social que ele projectou. Quando chegámos, nada estava ainda a acontecer do lado de fora. Mas do de dentro, a sensação é que o Roberto Cremascoli e o Nuno Grande não saíam de lá (será que dormiam lá dentro?!?!?).

Estava a decorrer uma grande discussão: pintava-se o corredor de acesso ao interior da exposição de branco ou de preto? Um defendia uma opção, mas o outro não...
Pediram-nos opinião:
- Ó urban sketchers, vocês que têm um sentido mais apurado das cores, o que acham: branco ou preto?
Responde a Benedetta:
- Quando vamos a uma loja de roupa e não sabemos o que escolher, sabemos que o preto combina sempre com tudo.
- Vês! Não te disse? Eu também acho que o preto fica melhor! - disse um deles.
- Mas tu já viste algum projecto do Siza com a cor preta? - retorquiu o outro.

E continuaram nisto...
Um pouco depois abraçaram-se. Optaram pelo cinzento!


Hora de almoço.
Tasca ali mesmo ao lado. Comida rápida, mas italiana. Enquanto se esperava comecei a desenhar a Benedetta Dossi, mas chegou entretanto a comida e parei. Depois umas nuvens começaram a aparecer ao longe. Os guarda-sóis da esplanada foram todos recolhidos:
- Bolas, que preciosismo. Ainda nem está a ameaçar e já estão a recolher tudo... - pensei eu.
Passados poucos minutos começou a pingar, depois a chover e, muito rapidamente, a cair água torrencial! Quem sabe, sabe e quem é de Veneza parece saber mais sobre a chuva...

Debaixo do toldo do café, completei o desenho com uma vista de esguelha sobre a Giudecca.

Da parte da tarde, conseguimos, finalmente, entrar em casa das pessoas.
Lá chegaremos no próximo post.

sábado, junho 04, 2016

Wax Print - batik



A letra W do Alfabeto Lisboeta está dedicada a uma técnica que aprendemos na Indonésia.
São três sessões divididas na preparação do desenho, colocação da cera e, finalmente, impregnação da cor.
A logística é complexa, mas os materiais são de luxo: vieram de propósito de Jakarta.

Estamos a pensar fazer este workshop mais uma vez, para aqueles que não se inscreveram no Alfabeto, mas querem aprender.
Para já, fica este vídeo e algumas fotografias do ano passado com o trabalho da Ketta.





Lisistrata

Dia 2 
(2ª parte)


No dia anterior, no percurso pelo interior da Giudecca, encontrámos este cartaz a promover uma performance de actores ao improviso sobre a obra de Aristofane, Lisistrata.
- Devíamos ir. Ainda por cima é gratuita! 
- Sim, temos de perguntar onde fica o Centro Cultural.
Fotografámos o cartaz para não nos esquecermos.


A sala era pequena e tinha, sobretudo, amigos e familiares na plateia.
A peça começou com o narrador acompanhado pelo som da harpa.

A história baseia-se na importância do papel da mulher: enquanto os homens não terminassem a guerra, elas recusavam-se a fazer amor com eles. 
E conseguiram!


Este segundo dia terminou com um jantar à beira mar, com vista para Veneza, a fazer desenhos enquanto esperávamos por três pizzas maravilhosas.

No dia seguinte chegava a Simonetta. Começavam também as montagens exteriores do pavilhão português para a Bienal. Havia que descansar bem para estarmos frescos para desenhar no dia seguinte, mas esta noite revelou-se difícil... quando o despertador tocou de manhã, o Zé disse com voz bem alta: 
- Epá, eu não dormi!
Não sei se foi da pizza ou do vinho, mas eu também não dormi nada bem nesta noite...

quinta-feira, junho 02, 2016

Where Alvaro meets Aldo

Dia 2 
(1ª parte)


Era domingo e o objectivo era darmos um workshop de diários gráficos para as pessoas de lá.
- O que é que vamos fazer? Perguntavam-me a Benedetta e o Zé. 
- Vamos divertir-nos e tentar ajudar os outros a perceberem como é bom desenhar o que nos rodeia.

Apareceram muito mais pessoas do que imaginávamos. Entregámos os cadernos e os lápis de cor. Lançou-se o desafio: entrever o edifício do Alvaro Siza através dos outros e desenhar isso mesmo.


Depois de almoço fomos para o cais. A proposta era desenhar pequeno a vista da Giudecca e de Veneza e depois adicionar elementos por cima numa escala maior.

Uma das surpresas do workshop foi a presença de família da Ketta. Tios e uma prima: o Vittorio, a Esmeralda e a filha Speranza estão a viver em Veneza e apareceram. A Speranza é uma menina muito dotada e cheia de talento, apesar de ainda ser muito nova. Aprende como uma esponja, ouviu tudo o que lhe disse com atenção, fala inglês, italiano, espanhol e percebe português. Desenhou que se fartou. É muito bom poder ensinar a quem está disposto a aprender!

À noite, fomos os três jantar a casa deles (linda a casa!) e ainda nos brindou com uma pequena actuação de clarinete. Bebemos 3 garrafas de vinho, conversámos tanto, tanto, tanto que só houve tempo para a desenhar a tocar.

Caminhámos depois dos Giardini depois até ao Campo S. Maurizio e vínhamos os três bem alegres! Brindámos, claro, à amizade, aos desenhos, a Veneza.

quarta-feira, junho 01, 2016

Giudecca

Dia 1 
(3ª parte)


No Campo del Santissimo Redentore fica a igreja homónima, mandada construir no séc. XVI para honrar uma promessa feita durante uma praga que assolou a Sereníssima. A obra é assinada pelo famoso Andrea Palladio. Entrámos e deslumbrámo-nos com o interior, que está cheio de obras do Veronese, Tintoretto e Bassano...
Disse-nos mais tarde a Simonetta que se faz uma procissão muito importante em Veneza a partir deste pequeno cais: juntam-se vários barcos a servir de ponte entre esta margem e a outra (é bem longe), para que a procissão possa passar e ligar esta Chiesa del Santissimo Redentore à Chiesa Santa Maria del Rosario (Gesuati).
Realmente, Veneza é outro mundo...

O Zé sentou-se na escadaria e eu fui desenhar para junto da margem.


Entrámos depois para dentro da Giudecca, à descoberta da vida de bairro, já mais ao final do dia, até encontrarmos outros projectos brilhantes de renovação arquitectónica e, sobretudo, uma praça com um restaurante cheio de famílias italianas: era o Campo Junghans.
- Vamos comer aqui.
E assim foi. Naquele momento, tirando três senhoras inglesas de idade respeitosa, eu e o Zé éramos os únicos não italianos naquele lugar. Por momentos parecia que se estava no interior de Itália, em local nada turístico, longe das massas. Fizemos o pedido e, enquanto esperávamos, desenhámos livremente...

Chegámos a casa tarde, alegres e muito cansados. 
Tinha acabado o primeiro dia.

terça-feira, maio 31, 2016

Projectos


Domingo passado fui levar à loja da Fnac de Cascais duas serigrafias da panorâmica de Lisboa vista do Aqueduto de Águas Livres de Campolide. Assim emolduradas parecem tão profissionais...

Lembro-me bem do dia em que este desenho foi feito. Num sábado dedicado inteiramente a desenhos para o livro de Lisboa. Pelas 19h30, estava marcado um jantar em Campo de Ourique com o Richard Câmara e a malta dos desenhos. Tinha o Zé Louro à minha frente e ele perguntou-me como é que estava a correr. Respondi que esse dia tinha corrido bem...
Mal sabia eu que um ano depois estaria com uma série limitada de serigrafias emolduradas à venda na Fnac!

Dia 13 de junho vou estar, novamente, na Feira do Livro de Lisboa, da parte da tarde, a autografar livros. A editora utilizou o meu desenho do miradouro de S. Pedro de Alcântara (aquele que deu origem à capa do livro de Lisboa) para forrar a banca. Sou suspeito, mas acho que ficou fantástico!


Veneza vista da Giudecca

Dia 1 
(2ª parte)


Saindo pela Calle Michelangelo chegava-se à estação fluvial Zitelle e a vista era esta...
Sentei-me no final do passeio, com as pernas a cair para a água e não resisti mais. Com a Giudecca nas costas foquei-me nos campanários da Chiesa di Santa Maria del Rosario (Gesuati) e comecei por aí o desenho. Deixei a caneta passear fluentemente pela página e, das torres passei para a cúpula (adoro que se diga duomo em italiano), depois para os telhados do lado direito, pontos para as janelas, até chegar à torre da Piazza S. Marco. O palácio dos Doges ficava ali logo à direita e, olhando de novo para o desenho, sentia falta de algo à esquerda. Parecia-me demasiado vazio... 
Entretanto começa a vibrar o telefone. Era o Zé a chamar:
- Sim? (os italianos respondem pronto!? quando atendem o telemóvel - lindo!)
- Onde é que andas?
- Estou junto à água, a desenhar.
- Mas junto à água onde? Para que lado? Como é que se vai aí ter?
- Estou mesmo junto à estação Zitelle. Faz o caminho de volta. Não tem nada que enganar.
- Epá, não sei se consigo ir aí ter.
- Bolas Zé, é só fazer o caminho de volta!
- Ok, ok, vou tentar.

Ora aqui estava algo que desconhecia do Zé Louro: falta de orientação geográfica. Eu estava a uns 100 metros dele, separados por uma rua direita, mas ele achava que se ia perder!!
Chegou, finalmente, a olhar para todo o lado menos para onde eu estava, acenei-lhe e lá nos encontrámos!
No entretanto tive tempo de fazer um pouco mais de desenho à esquerda da cúpula.

Fomos depois um pouco mais para a direita, sentámo-nos no chão para desenhar e lembrei-me da ordem da Ketta: faz um em folhas soltas para pendurarmos cá em casa.
Tirei as folhas de 220 gr, o pau de madeira e a tinta da china e lancei-me à mesma vista.


Já está a ser emoldurado.
Sábado passado fui levantar duas serigrafias com moldura para ficarem à venda na Fnac (sim, a loja de Cascais está a vender as minhas serigrafias de Lisboa) e aproveitámos para levar estas duas folhas A3 de papel com 220 gr. Agora já é possível viajar até Veneza nas paredes da nossa casa...

domingo, maio 29, 2016

Veneza: Giudecca de Siza Vieira

Dia 0
Aterrámos em Veneza a 20 de maio à noite. Não fiz desenhos no avião. De alguma forma, parecia que me estava a poupar para o desgaste imenso que estava para vir...



Dia 1
(1ª parte)

Logo de manhã, fomos à estação fluvial do Rialto para a Benedetta pedir um recibo do passe de 6 dias de Vaporetto, pois havia que justificar todas as despesas.

Tudo em Veneza nos prende o olhar. Dizia o Zé Louro: "isto é cada tiro, cada melro". E respondia eu: "é que nem é preciso disparar, basta apontar". É cada canto, cada esquina, cada janela. Dá vontade de desenhar tudo, trazer tudo, memorizar tudo...
Enquanto esperávamos pela Benedetta, comecei com pequenos desenhos rápidos. Tudo fugaz, inacabado, como que a tentar guardar a água nas mãos e vê-la a desaparecer entre os dedos...
Ao almoço fiquei em frente à Benedetta e, enquanto o meu spaghetti al denti era preparado, desenhámo-nos um ao outro, pois claro!

Estávamos já na Giudecca, mesmo ao lado do edifício do Siza.


Eu ia muito impressionado com o facto do nosso Siza Vieira ter um projecto em Veneza. Como é que tinha sido possível? Pensava que Veneza era Veneza e não se podia mexer em nada... 
Tive de ir investigar! Parece que foi convidado no início dos anos 80 a entrar num concurso para a zona da Giudecca. Os edifícios que lá estavam tinham sido construídos na altura do Mussolini, de forma temporária, com materiais pobres e espaços de habitação reduzidos. O plano desse concurso era demoli-los e construir novos, proporcionando maior qualidade de vida aos habitantes. Era, portanto, um projecto já com escala de planeamento urbano...
E o Siza ganhou o projecto! Estávamos em '83 e ele fez surpreendeu ainda mais: convidou os outros arquitectos que tinham entrado no concurso a fazer equipa com ele na execução de cada quarteirão.

Com toda esta história, queria que o meu primeiro desenho fosse feito a partir do edifício do Aldo Rossi. Procurei uma vista que funcionasse com o título da exposição e coloquei-me num vão interior com vista para a obra do Siza...


Tinha-me preparado em casa e sabia que esta esquina era muito especial. O último piso tem uma varanda que quebra a aresta vertical do edifício. É um pormenor, mas é daqueles pormenores...


Andei de roda do estaleiro da obra onde está a ser construída a continuação do projecto. Não se via quase nada e tudo à volta parecia lutar com a minha atenção. Tentações imensas, vistas incríveis de janelas, barcos, cúpulas, torres, palácios. Sentia-me um profissional que sabe o que tem de fazer e não se distrai com nada...


Entrando no estaleiro, descobri o caminho utilizado para descarregar entulho e carregar materiais. Tiveram de derrubar o muro do terreno vizinho para que a obra seja feita. Tudo é trazido de barco, o que é mesmo impressionante...
Dali, a meio do caminho, o nome da exposição portuguesa fazia ainda mais sentido: Where Alvaro Meets Aldo. Os dois blocos do Aldo Rossi, com a cobertura curva, faziam um belo contraste com a plana do Siza.
A vontade de entrar nas casas para conhecer as pessoas ia crescendo, mas sentia também que esta abordagem de "fora para dentro" era a mais certa e menos invasiva...

Já se estava a meio da tarde, mas, no que diz respeito a desenhos, o dia ainda ia a meio!

sexta-feira, maio 20, 2016

A caminho de Veneza

É com desenhos de Veneza feitos em 2014 que me preparo para viajar novamente para a Sereníssima!


A 20 de abril de 2014, guiado pelo mote "se achas um tesouro, deixa-te encontrar", fui dar a um dos locais que mais queria desenhar: o campo (praça) onde se encontra a escultura de Bartolomeo Colleoni, feita por Andrea Verrocchio
Tinha estudado nas Belas-Artes a influência que esta escultura teve no nosso grande Machado de Castro quando preparou a de tributo ao D. José I, que está no Terreiro do Paço.
Não sabia onde ficava (normalmente não me preparo como um turista para visitar locais obrigatórios), mas andava atento à procura...
Assim que entrei na praça, percebi logo que algo mágico tinha acontecido: encontrei-a!




O que me leva a Veneza é, talvez, um dos desafios maiores que tive até hoje: desenhar as vidas que habitam a arquitectura social do Siza Vieira em Veneza. Não só isso, como todo o ambiente do Campo di Marte. 
O convite veio do diretor geral das Artes. Levei o meu caderno de 2014 com estes três desenhos que mostram a casa dos Baccichetti e eis que se fez um "clique"!!
Com a possibilidade de convidar mais um português e dois italianos, telefonei ao José Louro (para mim, um dos tops a desenhar em Portugal) e ele alinhou na aventura. De seguida enviei mails para a Simonetta e para a Benedetta. Tutto a posto!

Apanhamos hoje o avião para Veneza.
Domingo vamos dar um workshop gratuito de diários gráficos para os habitantes do bairro em cadernos da Emílio Braga e lápis de cor da Viarco
Nós os quatro desenharemos em cadernos Laloran de formato quadrado em dimensão especial.

Facebook do evento aqui.
Vai começar uma grande aventura!

quinta-feira, maio 19, 2016

Rosto de Cão - S. Roque


Depois desta história e, passados uns dias, já sabia escrever bem o nome da terra.
Era o primeiro domingo depois da Páscoa. 
Dia de regresso a Lisboa.
Último desenho nos Açores com a linha do horizonte bem lá no alto, como quem anseia olhares mais longínquos!

quarta-feira, maio 18, 2016

Miradouro


Lancei-me a desenhar os verdes e ficou um borrão imperceptível.
Que desastre - pensei eu - mas não vou desistir! 
Ao meu lado estava sentado o Matias que, entretido com as canetas, enchia uma dupla página com cores variadas e despreocupadas. Veio entretanto a Luísa e ficou ali a brincar/desenhar com ele enquanto eu fui à procura de outros pontos de vista.

Desenhei a estrutura do miradouro (que parece ter sido antes um moinho de vento) em cima e depois por baixo. Escrevi o nome do miradouro em cima, no espaço em branco que ainda lá estava.

Assim andam as páginas do meu diário gráfico...

terça-feira, maio 17, 2016

segunda-feira, maio 16, 2016

Ponta Delgada


Dou-me conta, vezes sem conta, de que vivemos num tempo muito especial.
Poder desenhar e ensinar desenho é um luxo incomum deste tempo.
Gastar o nosso tempo a observar o que nos rodeia e a registá-lo num caderno é ainda mais especial...


Dizia um monge da idade média: "o silêncio é o mistério do mundo que está para chegar".

domingo, maio 15, 2016

Lagoa do Fogo


Na Lagoa do Fogo, num dia de ventania digna de registo, esforcei-me para entrar na leitura em que Pedro nega Jesus 3 vezes. Como é que nego o meu próprio desenho?


Desci até ao nível zero da Lagoa e fiquei ali mesmo junto à água. Foi uma caminhada e tanto, mas a tranquilidade que se sentia ali nem fazia lembrar o temporal lá de cima.
A percepção da Lagoa é completamente diferente. Enchi o depósito de água do pincel e aguarelei o resto dos meus desenhos nos Açores com água da Lagoa do Fogo!
Entretanto começou a chover e as gotas destiladas da chuva marcaram as manchas de aguarela que tinha acabado de fazer. Fechei o caderno e comecei, rapidamente, a subir a "montanha". Meu Deus, que esforço físico que foi. Descer tinha sido muito mais fácil! Cheguei ofegante e demorei algum tempo a recuperar...

sábado, maio 14, 2016

No topo da Lagoa do Fogo


Depois de ir buscar a Emmanuelle ao aeroporto, como estava um dia lindo, fomos à Lagoa do Fogo. A vista era impressionante lá de cima. Olhei para o lado e via-se quase toda a ilha rodeada pelo oceano Atlântico. Escrevi:

Quando penso no momento em que estas ilhas foram criadas só consigo imaginar o mistério. Vê-se muito bem cada boca do vulcão que ajudou a criar e unificar a ilha de S. Miguel. Vêem-se muito bem as duas cidades principais: Ponta Delgada e Ribeira Grande, o modo como os portugueses foram ocupando a ilha, preservando o interior que ficou com a geografia natural de há milhões de anos.
É um privilégio estar aqui e contemplar esta beleza. É uma benção enorme poder partilhar com outros a minha vida sem segredos. É isso que me tem feito!




(alguma informação sobre este desenho aqui)

sexta-feira, maio 13, 2016

Furnas


Há coisas que não dão para desenhar. Os cheiros são uma delas.
Na Lagoa das Furnas, na ilha de S. Miguel, perguntei à senhora que me vendeu um pão Lêvedo se gostava de viver ali, com o cheio a enxofre, no coração de um vulcão activo...
Deu uma gargalhada e disse (em sotaque açoreano):
Ó senhô, estê muite más segûre aquî do que no mei daquêles maluqes tôdes cume em Bruxêls.
Sorri e disse-lhe: É bem verdade!

quinta-feira, maio 12, 2016

Rabo de Peixe


Ir a S. Miguel e não ouvir falar de Rabo de Peixe é coisa rara.
Estava uma ventania danada, chuva e muito frio. Ainda assim, eu, a Ketta e o Miguel fomos até lá. Estacionámos, demos uma volta, o Miguel comprou um vestido "à marinheira" para a mulher e voltámos para a carrinha. Eu voltei a sair e dei por mim abrigado da chuva à porta da igreja, a desenhar o que podia, colocar aguarela no meio de uma humidade sem fim e ficou assim...