Dia 0
Aterrámos em Veneza a 20 de maio à noite. Não fiz desenhos no avião. De alguma forma, parecia que me estava a poupar para o desgaste imenso que estava para vir...
Dia 1
(1ª parte)
Logo de manhã, fomos à estação fluvial do Rialto para a Benedetta pedir um recibo do passe de 6 dias de Vaporetto, pois havia que justificar todas as despesas.
Tudo em Veneza nos prende o olhar. Dizia o Zé Louro: "isto é cada tiro, cada melro". E respondia eu: "é que nem é preciso disparar, basta apontar". É cada canto, cada esquina, cada janela. Dá vontade de desenhar tudo, trazer tudo, memorizar tudo...
Enquanto esperávamos pela Benedetta, comecei com pequenos desenhos rápidos. Tudo fugaz, inacabado, como que a tentar guardar a água nas mãos e vê-la a desaparecer entre os dedos...
Ao almoço fiquei em frente à Benedetta e, enquanto o meu spaghetti al denti era preparado, desenhámo-nos um ao outro, pois claro!
Estávamos já na Giudecca, mesmo ao lado do edifício do Siza.
Eu ia muito impressionado com o facto do nosso Siza Vieira ter um projecto em Veneza. Como é que tinha sido possível? Pensava que Veneza era Veneza e não se podia mexer em nada...
Tive de ir investigar! Parece que foi convidado no início dos anos 80 a entrar num concurso para a zona da Giudecca. Os edifícios que lá estavam tinham sido construídos na altura do Mussolini, de forma temporária, com materiais pobres e espaços de habitação reduzidos. O plano desse concurso era demoli-los e construir novos, proporcionando maior qualidade de vida aos habitantes. Era, portanto, um projecto já com escala de planeamento urbano...
E o Siza ganhou o projecto! Estávamos em '83 e ele fez surpreendeu ainda mais: convidou os outros arquitectos que tinham entrado no concurso a fazer equipa com ele na execução de cada quarteirão.
Com toda esta história, queria que o meu primeiro desenho fosse feito a partir do edifício do
Aldo Rossi. Procurei uma vista que funcionasse com o título da exposição e coloquei-me num vão interior com vista para a obra do Siza...
Tinha-me preparado em casa e sabia que esta esquina era muito especial. O último piso tem uma varanda que quebra a aresta vertical do edifício. É um pormenor, mas é daqueles pormenores...
Andei de roda do estaleiro da obra onde está a ser construída a continuação do projecto. Não se via quase nada e tudo à volta parecia lutar com a minha atenção. Tentações imensas, vistas incríveis de janelas, barcos, cúpulas, torres, palácios. Sentia-me um profissional que sabe o que tem de fazer e não se distrai com nada...
Entrando no estaleiro, descobri o caminho utilizado para descarregar entulho e carregar materiais. Tiveram de derrubar o muro do terreno vizinho para que a obra seja feita. Tudo é trazido de barco, o que é mesmo impressionante...
Dali, a meio do caminho, o nome da exposição portuguesa fazia ainda mais sentido:
Where Alvaro Meets Aldo. Os dois blocos do Aldo Rossi, com a cobertura curva, faziam um belo contraste com a plana do Siza.
A vontade de entrar nas casas para conhecer as pessoas ia crescendo, mas sentia também que esta abordagem de "fora para dentro" era a mais certa e menos invasiva...
Já se estava a meio da tarde, mas, no que diz respeito a desenhos, o dia ainda ia a meio!